Era impossível passar despercebida diante de tanto brilho. Karen Silva não apenas cantava: ela transformava a música em um instrumento de afeto, resistência e sonho. Aos 17 anos, a jovem cantora que encantou o Brasil com sua voz potente e sua presença magnética nos deixou no final da madrugada de quinta-feira (dia 24), em Volta Redonda, após seis dias de luta no Hospital São João Batista, vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) hemorrágico. Sua trajetória – curta no tempo, imensa em significado – permanece como um legado de talento, representatividade e esperança.
“Ela era 100%. Menina pra frente, feliz, cheia de planos… Saiu de casa pra almoçar na Sexta-feira Santa e, três horas depois, estava em coma. É uma dor imensa saber que minha filha, que não tinha nada, nenhuma doença, foi embora assim”, lamentou Fernando da Silva, pai da cantora, após o sepultamento, realizado na tarde de quinta-feira no Cemitério Portal da Saudade.
A menina que nasceu estrela
Karen Virote da Silva nasceu para brilhar. Desde muito cedo, o canto era sua forma mais natural de se expressar. Sua avó, Maria de Fátima, costuma dizer que “ela não chorava, ela cantava”, e não havia exagero nessa memória afetuosa. Ainda criança, Karen já emocionava quem tivesse o privilégio de ouvir sua voz. Era evidente que algo extraordinário habitava nela.
Aos 12 anos, em 2020, veio a consagração nacional: Karen Silva foi escolhida entre milhares de crianças para integrar o time de Carlinhos Brown no The Voice Kids, da TV Globo. Com a canção “Ginga”, sucesso de Iza – uma de suas maiores inspirações –, conquistou o técnico, os jurados e o Brasil. Chegou à semifinal, mas sua vitória foi muito além do programa. Karen foi reconhecida como uma promessa real da música brasileira.
Segundo Fernando, a trajetória musical de Karen foi planejada em família desde cedo. “Desde antes do The Voice, a gente já tinha um plano de carreira pra ela. Ela sempre teve esse dom, sempre soube cantar. O programa foi só a primeira porta.”
Um furacão de talento, carisma e disciplina
O brilho nos palcos nunca desviou Karen da disciplina, do esforço diário e dos estudos. Ela conciliava uma rotina intensa de aulas de canto, fonoaudiologia, ensaios com banda e corpo de balé, sem abrir mão do colégio e do convívio com os amigos.
“Ela era jovem, e nós fazíamos questão de manter a leveza da idade dela. Ela precisava brincar, sorrir, ir às festinhas das amigas”, lembra o pai, Fernando da Silva.
A mãe, Manoella Virote, não era só a mãe: era a produtora, a conselheira, a guardiã dos sonhos de Karen. E também sua maior fã. Juntas, elas desenharam os primeiros shows pós-pandemia com carinho, cuidado e profissionalismo. Um desses momentos foi o emblemático show no Black Jack Pub, no Aterrado, em 7 de agosto de 2022 – um presente da cantora ao público de sua cidade natal.
Vestida com um look feito pela avó e com o palco lotado, Karen emocionou a todos com um repertório que ia de MPB a afrobeat, passando por composições próprias como “Preta”, uma celebração da beleza e da força das mulheres negras.
“Ela tinha noção da responsabilidade que carregava. Sabia o impacto que causava ao subir no palco com seu cabelo black, sua pele linda, sua verdade”, diz Manoella.
O pai também relembra os planos que estavam sendo traçados para os próximos meses. “Para esse ano de 2025, a gente tinha altos planos pra ela. A empresa de roupa dela, novas músicas pro disco… Ela dormia e acordava pensando nisso”.
Voz de uma geração
Karen Silva era mais que uma cantora: era um símbolo. Para tantas meninas negras, ver uma jovem da periferia de Volta Redonda ocupando espaços de destaque com autenticidade e orgulho era um sopro de liberdade. Sua música tinha alma, sua presença era firme, e sua postura, sempre muito clara: queria usar sua arte para combater o racismo, construir pontes e fortalecer sonhos.
Em seu single “Preta”, lançado em parceria com o cantor Gaboardi, ela cantou: “Me aceite como sou / cabelo que sobe ao céu / preta que se empodera / dona da própria fé”. No clipe, gravado com simplicidade, mas com uma força estética arrebatadora, Karen olhava firme para a câmera, como quem avisava: “Eu vim pra ficar”.
Uma despedida sem fim
A notícia de sua morte comoveu fãs, amigos, artistas e admiradores de todo o país. Nas redes sociais, mensagens de amor e saudade se multiplicam. “Você foi luz, foi inspiração, foi revolução com doçura”, escreveu um fã de Angola.
“Ainda não acredito. Como pode alguém tão jovem já ter deixado tanta marca no mundo?”, publicou uma seguidora. MC Guimê lamentou a notícia e pediu a Deus “que conforte o coração de toda família”.
O cantor Carlinhos Brown, que “virou a cadeira” que abriu os caminhos do sucesso para Karen, também comentou na postagem divulgada pelo perfil oficial da cantora. “Meus sentimentos”.
Karen deixa os pais, Manoella e Fernando, a irmã Maria Luísa, familiares, amigos e milhares de fãs que acompanharam com carinho e expectativa cada passo de sua carreira. Deixa também um espaço que jamais será ocupado, já que sua presença era única e sua energia rara.
Fernando ainda tenta assimilar a perda: “A ficha ainda não caiu. Acho que só vai cair mesmo quando a gente chegar em casa e não encontrar mais ela lá.”
O apelo de um pai
Em meio à dor, Fernando Silva fez um alerta emocionado aos pais: “A Karen foi vítima de um AVC, uma coisa fatal, e ela não apresentava nenhum sintoma, nenhum sinal. Então, eu queria pedir aos pais que cuidem dos seus filhos. Se puderem, façam exames, procurem especialistas. Pode parecer exagero, mas às vezes pode salvar uma vida.”
Eterna entre nós
Fica a dor de uma ausência que não deveria existir. Mas fica também a certeza de que Karen Silva vive. Em cada menina que se vê nela, em cada nota cantada, em cada lágrima que cai ao ouvir suas músicas.
Fica a memória de uma jovem extraordinária, que ousou sonhar alto, cantar forte, amar com verdade e viver intensamente. Karen partiu cedo demais, mas sua voz ainda ecoa. E enquanto ecoar, ela nunca será esquecida.
AVC hemorrágico: um perigo silencioso que pode afetar jovens e adultos
Apesar de ser mais comum em pessoas acima dos 60 anos, o Acidente Vascular Cerebral (AVC) hemorrágico pode acometer indivíduos de qualquer idade, inclusive jovens e crianças. Essa condição ocorre quando um vaso sanguíneo se rompe dentro do cérebro, provocando sangramento e pressão sobre as estruturas cerebrais. Entre as principais causas estão a hipertensão arterial não controlada, aneurismas cerebrais, traumatismos cranianos, além de distúrbios de coagulação.
O médico e professor do UniFOA Júlio César Meyer, referência em neurocirurgia na região, explicou que, em muitos casos, especialmente entre jovens, a origem pode estar relacionada a uma malformação vascular no cérebro. “Essas malformações podem ser de dois tipos: aneurismas – dilatações isoladas nos vasos – ou MAVs, que são malformações artério-venosas. A MAV é como um emaranhado de vasos, um angioma, e por ser dilatada, a parede do vaso se torna mais frágil, podendo romper com o fluxo do sangue”, detalhou o neurocirurgião.
Segundo o médico, quando o vaso se rompe, o sangue extravasa para o tecido cerebral, o que não deveria ocorrer. Isso provoca uma hemorragia e a formação de um coágulo, chamado hematoma. “Dependendo do volume do hematoma, mesmo um cérebro jovem pode não suportar a pressão. Como o crânio não permite expansão, a pressão intracraniana aumenta, comprometendo funções como consciência, visão, audição e, nos casos mais graves, respiração e batimentos cardíacos”, explicou Meyer.
Ele destacou que a rapidez no atendimento é crucial para salvar vidas. “Se a cirurgia for realizada o mais rápido possível, as chances de recuperação aumentam. Hoje, utilizamos uma técnica em que retiramos parte do osso do crânio para dar espaço ao cérebro, permitindo que ele se descomprima e possa voltar a pulsar normalmente”, explicou.
Júlio Meyer integrou a equipe médica que cuidou de Karen, mas, nesta entrevista à Folha do Aço, ele falou exclusivamente sobre AVC em jovens, com o objetivo de esclarecer a população sobre o tema e alertar para os sinais e fatores de risco.
Por Nathália Azevedo