O advogado e servidor do Tribunal de Justiça Felipe Tobler Lemgruber foi denunciado no último dia 4 de outubro por estelionato pelo Ministério Público. No dia 25 de agosto ele já tinha sido demitido pela corregedoria-geral do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) “a bem do serviço público”, após duas investigações.

Lemgruber atuava como uma espécie de consultor de apostas, função que começou a praticar com amigos há quatro anos (“trader esportivo”). Neste período, ele criou uma carteira de clientes que incluía juízes, servidores do Judiciário e moradores de Barra do Piraí e Volta Redonda.

A sindicância da corregedoria da Justiça diz que a ação de Lemgruber sugere a prática de pirâmide financeira. O prejuízo causado por ele é estimado em R$ 30 milhões. Entre magistrados e serventuários, a perda foi de R$ 3 milhões. Um deles chegou a deixar de receber R$ 490 mil, de acordo com investigação interna.

O servidor do judiciário era descrito por seus companheiros de trabalho como “amigo, prestativo e acima de qualquer suspeita”. As vítimas teriam acreditado na promessa de Lemgruber, com a proposta de investimento que garantia retorno rápido e com possibilidade de ganhos elevados.

“Ele mostrava prints e ainda se gabava por estar em primeiro lugar nos ganhos da plataforma e que tinha contato direto com o gerente. Afirmava que poderia ganhar de 70% a 80% do valor que foi investido. Acima de qualquer suspeita, eu acreditei e cheguei a investir R$ 250 mil. Consegui ter retorno do dinheiro, sem o mesmo prejuízo de muitos, mas acredito que mais de 100 pessoas confiaram no Felipe”, disse uma das vítimas em entrevista à Folha do Aço em julho. Outros depoimentos foram anexados às investigações, que agora estão nas mãos de uma juíza, para a sentença.

Lemgruber, de 35 anos, foi por 15 anos analista judicial e secretário de magistrados. Recebia R$ 12,5 mil por mês. Acabou se tornando especialista em trading de tênis – um jogo de apostas permitido por lei, que ainda carece de regulamentação. O operador funciona como um agente financeiro que precisa conhecer o esporte.

“A aposta no ramo esportivo está tomando o lugar da Bolsa de Valores. Para mim, é o futuro da nossa economia. Fazemos apostas com base em cálculos, não nas incertezas do país. Optei pelo tênis, porque pratico o esporte e porque o cálculo é mais exato, porque permite leitura corporal mais precisa, o que garante mais exatidão”, explicou o próprio acusado, em entrevista publicada na quinta-feira (dia 21) pelo jornal Globo.

O negócio, no entanto, começou a dar prejuízos ou a não entregar o lucro esperado pela clientela, que entregava nas mãos dele vultosas quantias. De acordo com depoimentos de parte dos 17 apostadores lesados pelo trader apenas no Tribunal de Justiça do Rio, ele usava sua influência entre os juízes para atrair mais clientes. Uma das depoentes contou que o lucro do dinheiro apostado chegou a ser entregue em espécie no gabinete de servidores e juízes, durante o expediente forense. A primeira denúncia contra ele foi feita em 20 de abril deste ano.

O caso corre em segredo de Justiça, mas na entrevista ao Globo ele assumiu o erro. “Perdi o controle. O bolo [de clientes] começou a crescer demais. Os ganhos caíram. Errei muito. E reconheço que eu tinha dependência no jogo. Isso deixa a gente cego”, afirmou.

 Estratégia

A estratégia Felipe Lemgruber funcionava da seguinte forma: ele recebia o depósito do cliente em sua conta e fazia as apostas em partidas de tênis. O valor variava de acordo com o perfil do apostador. Até 2020, o negócio prosperou e, segundo ele conta ter visto, muitos clientes “trocarem de carro” e “médicos pararem de dar plantão”. Agora, à espera da sentença, sustenta que não ganhou nada com as apostas.

De fato, a estrutura criada por Lemgruber, conforme apontam as investigações do TJRJ e do MP, a partir de queixas das vítimas, começou a quebrar no fim do ano passado. Em uma mensagem de WhatsApp, do dia 9 de outubro de 2020, Lemgruber avisa a seu grupo de apostadores que deixará os negócios.

Em uma das respostas, um investidor, desesperado, reage incrédulo: “Felipe, tá falando sério? Faz isso não. O que houve? Não me abandona, não. Você sabe que confio 100% em você. Nunca questionei nada”. O ex-servidor sustenta que, a despeito de estar sendo cobrado para entregar lucros aos apostadores, fez o correto: devolveu o valor investido. “Não vou pagar os lucros. Não tenho como. Tive que sair da cidade, porque comecei a receber ameaças”, disse ele ao Globo.

Na conclusão da sindicância, que se transformou no processo administrativo e, em seguida, na demissão do então servidor, a corregedoria afirma que Lemgruber “se valeu da amizade de algumas vítimas, da condição de servidor público do TJRJ em Barra do Piraí e do cargo de secretário de juiz para a captação de recursos financeiros”.

Ele dizia que usava o dinheiro para apostar em sites internacionais de trading esportivo. Em troca, prometia alta rentabilidade, mas acabou causando “extenso prejuízo financeiro a vítimas, praticando grave infração administrativa, em nítido comprometimento da dignidade da função pública”.

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