Com a entrada em vigor prevista para o dia 1º de agosto das novas tarifas de importação anunciadas pelo governo dos Estados Unidos – o chamado “tarifaço” -, setores estratégicos da economia brasileira se mobilizam para entender o potencial impacto da medida. No Estado do Rio de Janeiro, a preocupação é especial no Sul Fluminense, região que abriga importantes montadoras e fornecedores automotivos.
Juntas, as cinco fábricas instaladas (Stellantis, Nissan, Hyundai, Jaguar Land Rover e Volkswagen Caminhões) e 23 empresas sistemistas geram mais de 10 mil empregos formais, segundo levantamento da Firjan.
Em entrevista exclusiva à Folha do Aço, o vice-presidente do Cluster Automotivo do Sul Fluminense e executivo da Hyundai Motor Brasil, Igor Leite, fala sobre os riscos de uma eventual retração de investimentos, o estado de alerta das empresas, e como o setor tem buscado articulação com os governos estadual e federal para mitigar os possíveis efeitos da medida norte-americana. A seguir, a entrevista na íntegra:
Folha do Aço – O senhor acredita que o chamado “tarifaço” anunciado pelo ex-presidente Donald Trump pode afetar diretamente o setor automotivo da região Sul Fluminense? De que forma?
Igor Leite: Qualquer resposta assertiva, neste momento, teria um caráter especulativo. No entanto, caso as tarifas se confirmem (ou sejam majoradas por outras razões), alguns impactos indiretos poderão ocorrer, como, por exemplo, o encarecimento de parte da matéria-prima atrelada aos preços de commodities e à desvalorização da moeda brasileira frente ao dólar.
Outro efeito colateral, caso essas medidas sejam concretizadas, seria o aumento da oferta de produtos no mercado interno, já que algumas marcas do segmento automotivo têm parte do seu mercado voltado às exportações para os EUA. Isso poderia gerar um aumento de oferta local, pressionando fortemente os preços e as margens para baixo.
Já é possível sentir algum reflexo prático dessas medidas no polo automotivo local, como impacto nas exportações, insumos ou no humor das montadoras?
Neste momento, de maneira geral, não há impactos percebidos, apenas a manutenção de um estado de alerta e avaliações de cenários por parte das indústrias, além da busca por interlocução com o mercado.
As empresas instaladas no cluster têm demonstrado preocupação com o cenário internacional? Há alguma sinalização de ajuste em planos de investimento ou produção?
As empresas estão na fase de observação, avaliação de cenários possíveis e entendimento dos potenciais desdobramentos para os negócios.
A cadeia automotiva regional depende de componentes importados. Essas tarifas podem interferir também no custo de produção local?
Os materiais importados dos EUA só teriam seus custos majorados caso as contramedidas do Governo Brasileiro caminhem na direção do aumento das taxas relativas às importações de produtos e serviços norte-americanos.
Como o Cluster tem se preparado ou se articulado para mitigar possíveis efeitos negativos dessas decisões unilaterais dos Estados Unidos?
As empresas do Cluster Automotivo do Sul Fluminense têm buscado interlocução interna, compartilhando percepções sobre esse potencial risco e desenhando medidas, para cada operação, que visem reduzir os impactos potenciais da medida imposta pelo governo norte-americano.
Há diálogo com o governo federal ou estadual sobre possíveis estratégias de defesa comercial ou incentivos para compensar eventuais perdas?
Neste momento, a uma semana do início da vigência das tarifas majoradas, representantes do setor industrial automotivo foram convidados pelo Governo Federal para avaliar os impactos. Essas informações compuseram parte dos argumentos levados à avaliação do governo dos EUA.
Em relação à interlocução com o Estado do Rio de Janeiro, estão sendo avaliadas tentativas de compensação de potenciais perdas, sobretudo por meio da revisão da política de gestão dos incentivos já concedidos às empresas do Cluster Automotivo. Trata-se de um avanço significativo por parte do governo estadual, sensibilizado com a situação, especialmente pelo esforço na elaboração de ferramentas tecnológicas que permitam o aproveitamento dos créditos fiscais acumulados, mesmo diante do desafiador cenário financeiro e fiscal enfrentado pelo Estado nos últimos anos.
O senhor vê risco de o “tarifaço” interferir na competitividade do Brasil como destino para novos investimentos automotivos?
De modo geral, entende-se que essa medida adotada pelo governo dos EUA foi aplicada a muitos países do mundo, por razões diversas. Do ponto de vista prático, o ambiente tributário brasileiro é, por si só, bastante complexo, mas as corporações já têm isso precificado em seus negócios e compreendem que é uma característica do ambiente nacional. Portanto, o que pode tornar o Brasil menos atrativo para novos investimentos depende de como serão conduzidas as negociações com as autoridades norte-americanas. E como esse cenário ainda não está bem definido, o momento é de observação e avaliação interna. Fato é que, até o momento, não foram aplicadas políticas de desinvestimento, postergação de ampliações ou medidas similares por parte das organizações.
Existe risco de que esse novo cenário internacional, com tarifas mais rígidas, provoque redução no ritmo de produção ou até mesmo demissões no setor automotivo da região?
Neste momento, como mencionei, seria precoce qualquer posicionamento assertivo, dado o grau de incertezas sobre como serão conduzidas as tratativas com o governo dos EUA. De maneira geral, poderemos perceber alguns efeitos colaterais que, caso realmente ocorram, esperamos que sejam apenas momentâneos e que, em breve, os impasses estejam resolvidos.
Fato é que estamos acompanhando bem de perto os acontecimentos, a evolução do processo e a forma como os cenários serão desenhados para mitigar potenciais impactos nos negócios. É importante destacar que decisões de investimento ou desinvestimento não têm caráter de curto prazo. Portanto, compreendendo que estamos diante de uma possível turbulência momentânea, manteremos sempre o olhar no presente, mas focados no horizonte dos fatos. Afinal, em meio a todo esse contexto, há pessoas, famílias e, portanto, uma sociedade que vê nas empresas automotivas do Sul Fluminense pilares de segurança e orgulho.