Conselhos Tutelares de Volta Redonda registram 78 casos de abuso e 5 de exploração sexual infantil em um ano

A dor silenciada de muitas crianças e adolescentes tem ganhado voz por meio de números alarmantes. Às vésperas do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, celebrado em 18 de maio, os Conselhos Tutelares de Volta Redonda revelam dados preocupantes: em um ano, foram registrados 78 casos de abuso sexual e 5 de exploração sexual infantil na cidade. Esses números trazem à tona uma triste realidade, refletindo não apenas a violência em si, mas também a necessidade urgente de medidas de proteção.

Segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro, o estado tem registrado um aumento preocupante nos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Em 2024, foram contabilizados 62 casos de assédio sexual, um crescimento expressivo em relação aos 43 casos de 2023. O número de estupros também impressiona: 3.923 ocorrências em todo o estado no ano passado.

Em Volta Redonda, os números também chamam a atenção. De um total de 81 estupros registrados em 2024, 55 envolveram menores de idade – sendo 48 meninas e 7 meninos. Além disso, os casos de assédio sexual contra menores somaram sete ocorrências, todas com meninas como vítimas. A maioria dos abusos foi cometida por pessoas próximas às vítimas, como amigos, vizinhos e parentes.

Atuação do Conselho Tutelar

O Conselho Tutelar, órgão responsável pela proteção dos direitos de crianças e adolescentes, tem enfrentado uma demanda crescente. A cidade conta com dois conselhos, que atendem áreas distintas, separadas pelo Rio Paraíba do Sul. No Conselho Tutelar I – que abrange bairros como Aterrado, Vila Santa Cecília, Água Limpa e outros 35 – foram registrados 32 casos de abuso e dois de exploração sexual nos últimos 12 meses.

Já no Conselho Tutelar II, que atende regiões como Grande Retiro e o Complexo Vila Brasília, houve 46 registros de abuso e três de exploração sexual no mesmo período.

Apesar dos números elevados, é importante lembrar que muitos casos de violência ainda não são denunciados, devido ao medo e a outros fatores que dificultam a comunicação por parte das vítimas e seus familiares.

Fluxo de atendimento e rede de proteção

Quando o Conselho Tutelar recebe uma denúncia de abuso sexual, a primeira providência é encaminhar o caso à Delegacia de Polícia ou à Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), para registro e apuração. O Conselho acompanha a situação, garantindo a aplicação das medidas protetivas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A rede de proteção do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente em Volta Redonda tem se destacado no estado, tornando-se referência para outros municípios com estrutura precária. No entanto, ainda há desafios estruturais, como a falta de acessibilidade na sede do Conselho Tutelar II e a necessidade de manutenção dos equipamentos de informática.

A criação de um terceiro Conselho está prevista, considerando o número de habitantes da cidade. Hoje, os conselheiros enfrentam dificuldades para atender ao volume de demandas.

Como identificar o abuso

Em entrevista à Folha do Aço, a psicóloga Thainá Lyrio orienta sobre como reconhecer sinais de abuso em crianças – mesmo quando elas não verbalizam o que aconteceu – e destaca os principais impactos psicológicos das agressões.

Folha do Aço: Quais são os principais impactos psicológicos em uma criança vítima de abuso ou exploração sexual?

Thainá Lyrio – Alguns dos principais impactos incluem sintomas de ansiedade, depressão, síndrome do pânico, comportamentos autodestrutivos e sexualização precoce. A criança ou adolescente pode sentir angústia, culpa, perturbações do sono, dores abdominais e distúrbios alimentares, entre outros sintomas. O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), por exemplo, afeta cerca de 57% dessas vítimas, causando sofrimento intenso e interferindo em áreas como relacionamentos e desempenho escolar.

Como identificar sinais de que uma criança possa estar sendo vítima, mesmo que ela não verbalize?

O primeiro sinal costuma ser uma mudança abrupta no comportamento, como variações de humor entre retraimento e agressividade, vergonha excessiva, alteração no sono, dificuldades de concentração, aparência descuidada e medo desproporcional de determinados adultos. Em alguns casos, a vítima pode demonstrar proximidade excessiva com um adulto específico – que pode estar manipulando-a emocionalmente e fazendo ameaças. Outros sinais incluem comportamentos sexuais inadequados para a idade e silêncio predominante. Vale destacar que a criança pode apresentar apenas um desses sinais.

Como é conduzido o atendimento psicológico nesses casos? Há protocolos específicos?

O atendimento psicológico visa acolher e fortalecer a vítima, auxiliando-a a lidar com os efeitos do trauma. A terapia individual permite que a criança processe as emoções e reconstrua a confiança. Em alguns casos, também são indicadas terapias em grupo ou familiares. O processo deve ser adaptado à realidade de cada criança, sempre com foco em promover autoestima, segurança e recuperação.

O papel da família e a escuta qualificada

A psicóloga Thainá Lyrio também reforça a importância da escuta qualificada e do acolhimento familiar no processo de superação da violência.

Qual a importância da escuta qualificada e como ela deve ser feita com crianças e adolescentes?

A escuta qualificada é essencial para que a criança ou adolescente se sinta ouvido, compreendido e respeitado. Ela deve ocorrer em um ambiente seguro e acolhedor, com linguagem adequada à faixa etária, garantindo privacidade e respeitando o tempo e os limites da vítima – inclusive o direito de permanecer em silêncio.

Como as famílias podem ajudar na recuperação emocional da vítima?

Com paciência, empatia e oferecendo um espaço seguro para diálogo. É fundamental acreditar na criança, não interrompê-la ou julgá-la, e permitir que ela expresse seus sentimentos livremente. A confiança dos pais ou responsáveis é decisiva para a reconstrução emocional da vítima.

Que mensagem você deixaria para a população neste Dia Nacional de Combate ao Abuso Sexual Infantil?

A prevenção começa no vínculo de confiança entre pais e filhos. Fale sobre o corpo da criança com naturalidade e linguagem acessível. Deixe claro que ninguém – nem mesmo pessoas próximas – pode tocar suas partes íntimas. Incentive a comunicação e, diante de qualquer relato, leve a sério. Acreditar é proteger.

Nota da redação: Colaboraram para esta matéria os conselheiros tutelares Bianca Costa, Bruno Nicolau, Daniela Pecegueiro, Karoliny Campos, Neandro Chaves e Angélica Santos.

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