No último dia 24, um cão, inicialmente apontado como sendo da raça pitbull, atacou o prefeito de Barra Mansa, Rodrigo Drable, causando diversos ferimentos pelo corpo do político e a sua internação em um hospital. O fato ocorreu no momento em que Drable teria tentado salvar o vizinho da fúria do animal.
O incidente tomou grande repercussão na mídia e – embora depois tenha sido descoberto que o cão era, na verdade, da raça American Bully – reacendeu um debate sobre o temperamento de pitbulls. Rodrigo Drable usou suas redes sociais para explicar o episódio e agradecer às inúmeras mensagens de apoio que recebeu.
“Agradeço a Deus, que poupou a nossa vida, minha e do senhor Ederson. Foram muitos ferimentos, ele [Ederson] mais machucado que eu, mas estamos vivos”, comentou aliviado o chefe do Executivo, que tem retorno às atividades presenciais previsto para esta sexta-feira (dia 3).
Na internet, desde que surgiu a notícia do ataque ao prefeito do suposto pitbull, os comentários demonstravam divisão de opiniões quanto à raça.
“Essa raça não quero nem de graça! Muito perigosa”, afirmou uma mulher. Uma segunda internauta ponderou: “Fico triste pelo acontecido, mas fico mais triste ainda pela criação que o cachorro teve antes da segunda adoção. Dá pra notar que ele foi criado para atacar e não pra ser um bom amigo e companheiro. E o destino dele me deixa mais triste”, comentou se referindo ao desfecho que teve o cão, que acabou morrendo afogado na piscina da casa de Rodrigo Drable após ser cercado por outros dois cachorros que pertencem ao prefeito, conforme versão do político.
“Tudo vai da criação. Aqui em casa tivemos um pitbull e era manso, pois foi criado com muito amor, não atacava ninguém”, relatou um rapaz.
Conhecimento
Ianne Caroline Alves tem conhecimento de causa para falar sobre o assunto. Tutora de Ragnar, um pitbull de um ano e seis meses, a gerente de Gestão conta que já teve um Poodle, um cocker spaniel e uma collie, e que o Ragnar é, de longe, o mais carinhoso dos três.
“É um cachorro muito brincalhão, mas por conta do tamanho, acaba sendo bruto. Mas é um amor de cão. Convive com meu avô e, inclusive, é apaixonado por ele. Está sempre com as minhas sobrinhas que têm oito anos. Também vive com os gatos do meu irmão sem nenhum problema, na verdade, os gatos batem nele”, comenta a ‘mãe’ de Ragnar aos risos.
Ela lamenta, no entanto, que cães dessa raça sofram tanto preconceito, principalmente por falta de informação. “Já passei por algumas situações desconfortáveis ao passear com o Ragnar na rua. Algumas pessoas atravessam para não passar perto, outras já chegaram a falar coisas ruins, como, por exemplo, ‘Segura direito esse monstro’. Mas por outro lado, também têm as pessoas mais bem informadas que pedem para chegar perto e fazer carinho”.
Da mesma forma, a médica veterinária Maria Bárbara França não vê o pitbull como um cão agressivo e perigoso. A profissional atribui a fama ao fato de, em 1845, a raça ter sido levada aos Estados Unidos para ser usada em rinhas por se tratar de cães fortes, com muita agilidade e resistentes.
“São cães extremamente carinhosos, sociáveis, inteligentes e obedientes, porém são cães protetores da família e de pouca sociabilidade com outros animais. O que acontece é que nós não sabemos interpretar os sinais que o cão dá de desconforto e uma mordida quando ultrapassamos os limites daquele cão pode vir de qualquer raça, até as mais fofinhas e bonitinhas como um spitz alemão. Porém, uma mordida de spitz não causa a mesma lesão que uma mordida de pitbull, além das raças menores serem muito mais fáceis de serem contidas”, explica a veterinária.
Outro fator importante destacado por Maria França é que diversas pessoas querem uma raça específica, mas não conhecem o temperamento do animal nem sabem criá-lo.
“E quando você tem cães de raças como o pitbull, precisa saber ter uma liderança sob aquele animal, pois qualquer raça ou até os sem raça definida, nossos queridos vira-latinhas, podem ser bravos, territorialistas e agressivos. Porém, quando o seu cão é grande, forte, resistente e ágil, você tem uma maior responsabilidade. Existem muitos adestradores competentes na nossa região que podem ajudar aos tutores que reconhecem que não possuem uma liderança, independente da raça”, aconselha.
A tutora do pitbull Ragnar, Ianne concorda: “Cuidando da maneira certa, com adestramento, podemos perceber que eles são cães como qualquer outro, carinhosos e bons companheiros. É claro que é importante socializar desde filhote, ter muita responsabilidade com os cuidados básicos e gastar muita energia com passeios, brincadeiras e exercícios. A culpa nunca é da raça! E sim da criação”, conclui.
Adestrador
Guilherme Barreto, mais conhecido como Tio Gui, é adestrador de cães em Volta Redonda e concorda que haja um preconceito enorme por parte da população que desconhece sobre o comportamento do animal. “Raça, tamanho e idade não definem comportamento canino. O que define é a personalidade, criação e a infância de cada cão, ou seja, não é de raça para raça, é de cão para cão”, frisa.
O adestrador fornece algumas dicas importantes:
O que fazer quando estiver frente a frente com um cão desconhecido e que esteja estranhando?
Manter a calma, controlar a respiração, evitar qualquer tipo de contato, seja visual ou físico e, além disso, não fazer movimentos e barulho. Procurar sempre se afastar de uma forma natural, saindo de perto do local que o cão está protegendo. Assim o cão entende que você não traz riscos e não quer conflito.
Como se defender em caso de ataque?
Evitar tocar qualquer cão desconhecido e inclusive, cães conhecidos que estejam na guia ou na rua. A melhor defesa é a prevenção, evite o contato com cães nessas situações e, principalmente, cães que desconhece.
Como ajudar alguém que está sendo atacado?
Nunca tocar no cão e na pessoa. Pegue uma corda ou algo que faça essa função, passe no pescoço do cão e puxe até prender totalmente sua respiração, pois o cão quando está atacando, desliga todos os sentidos. Fazendo isso, o cão terá, inevitavelmente, que abrir a boca para respirar.
Tutores de pitbull devem adestrá-los?
Com certeza. Todas as raças, portes e idades de cães devem ser adestradas. O adestramento é o melhor instrumento de prevenção contra qualquer ataque ou problema que seu cão possa ter, não espere seu cão apresentar “problemas” para procurar a escolinha do Tio Gui, previna.
Outros casos
Recentemente, uma idosa de 70 anos morreu após ser atacada por três cães da raça pitbull terrier, em Mairiporã, São Paulo. Os tutores tinham costume de deixar os animais desacompanhados e acabaram presos.
Em julho do ano passado, o ator Cauã Reymond foi vitimado por dois cães da mesma raça, que estavam na casa pertenciam ao rapper Orochi e circulavam pelo condomínio de luxo localizado no Joá, na Zona Sul do Rio, sem coleira e focinheira.
Na mesma época, um professor, de 62 anos, passeava pelas ruas de Vila Isabel, na Zona Norte da capital, quando viu seus dois cachorros, um yorkshire e um golden retriever, serem atacados por um pitbull. Um dos cães acabou morrendo.
No fim do ano passado, uma mulher e uma criança, de dois anos de idade, foram atacados, também por um pitbull, em Paty do Alferes. O menino sofreu uma fratura em um dos braços e uma fissura na região do peito, enquanto a mulher teve escoriações no joelho.
A Folha do Aço também noticiou, em 2021, a morte de uma idosa, de 73 anos, em Pinheiral, vítima da fúria de um cão da raça pitbull em sua casa, no bairro Oriente. De acordo com testemunhas, os Bombeiros tiveram que ser chamados para conter o cão, que pertencia à idosa.
O que diz a lei?
Apesar de todos esses fatores defendidos pelos profissionais acima, a lei estadual 4.597 de 2005 é clara e diz que “a permanência e a movimentação de animais ferozes nos locais públicos ou de uso comum, inclusive nas vias de circulação interna de condomínios, somente poderá ocorrer no horário das 22 horas às 05 horas, desde que conduzidos por responsável maior de 18 anos e com a utilização de coleira, guia curta de condução, enforcador e focinheira”.
Autor do projeto que originou a lei, o deputado estadual Carlos Minc (PSB) acredita que grande parte dos casos envolvendo esses cães acontece por desconhecimento ou descumprimento da norma. “Sempre ajuda uma ampla divulgação de uma lei para que seja cumprida. Por outro lado, já fizemos inúmeras ações nas ruas e na imprensa para divulgar a lei, que ainda é desrespeitada por alguns. Podemos dizer que nossa lei é parcialmente cumprida”, explicou o parlamentar com exclusividade à
Folha do Aço.
Ainda segundo Minc, o objetivo principal da medida é, “antes de punir, conscientizar os donos a andar com seus cães na coleira e usando focinheira, respeitando assim o direito das pessoas de andarem com tranquilidade nas ruas”. O texto se aplica às raças pitbull, fila, doberman e rottweiler e o não cumprimento acarreta ao infrator diversas sanções, como apreensão do animal, multa e obrigatoriedade de reparação ou compensação dos danos causados. A fiscalização do cumprimento da lei fica à cargo da Polícia Militar.