Entre bandeirolas coloridas, luzes cintilantes, filas para comprar pizza frita a R$ 1,99 e um coro entoando “Anunciação” sob a voz de Alceu Valença, a 10ª edição do Arraiá da Cidadania, em Volta Redonda, terminou com o brilho típico de quem celebra uma vitória. Ao longo de quatro dias, segundo a Prefeitura, mais de 80 mil pessoas passaram pela Praça Brasil, na Vila Santa Cecília, onde 32 entidades assistenciais se revezaram nas barraquinhas vendendo comidas típicas e bebidas. O resultado foi exaltado: R$ 585 mil arrecadados para projetos sociais da cidade. Uma conquista, sem dúvida.
Só que, nos bastidores do forró, a matemática tropeça. O custo com gêneros alimentícios e materiais descartáveis, segundo informações obtidas pela Folha do Aço, foi de R$ 1.091.364,40. E isso sem contar gastos com iluminação, som, palco e decoração, cujos valores o Palácio 17 de Julho preferiu manter no escuro. Ao todo, o investimento da administração municipal no evento superou R$ 1 milhão. Ou seja: para doar pouco mais de meio milhão, gastou quase o dobro.
A aritmética do Arraiá da Cidadania desafia os conceitos mais básicos de eficiência. A diferença percentual entre arrecadação e investimento, de 86,55%, seria alarmante em qualquer contexto. Mas em Volta Redonda, cidade que recentemente decretou calamidade financeira e precisou de socorro estadual de R$ 39 milhões para lidar com uma crise sanitária envolvendo casos de câncer, doenças cardíacas e o risco de epidemia de dengue tipo 3, o contraste beira o surrealismo administrativo.
A festa foi apresentada como uma celebração da solidariedade. Em parte, foi. As entidades beneficiadas prestam serviços inestimáveis: cuidam de idosos, acolhem dependentes químicos, atendem crianças em situação de vulnerabilidade. Muitas sobrevivem com doações incertas e voluntariado resiliente. Qualquer reforço de caixa é bem-vindo, especialmente se vier com visibilidade pública e espírito comunitário.
Mas o modelo adotado pela Prefeitura desperdiça um insumo que parece em falta: imaginação. Há formas mais eficazes, e menos dispendiosas, de fortalecer essas instituições. O mesmo município que investiu sete dígitos em alimentos e descartáveis poderia, por exemplo, criar um fundo permanente de apoio, via leis de incentivo, editais, parcerias com o setor privado ou mesmo campanhas públicas que não custem mais do que arrecadam.
A própria política de preços populares, que limitou a arrecadação (embora tenha garantido inclusão), poderia ser equilibrada com estratégias criativas de monetização: rifas, experiências patrocinadas, financiamento coletivo com contrapartidas. Mas talvez a pergunta mais importante seja: por que o orçamento da festa é um tabu?
A secretaria municipal de Comunicação (Secom) não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem sobre os custos totais com estrutura, logística e serviços terceirizados. Os dados disponíveis se limitaram ao que estava à mostra, e ao que servia para a comemoração.
Pão e circo
No palco da política local, o prefeito Neto (PP) aparece como o mestre de cerimônias dessa operação. “Faturamos quase R$ 600 mil nessa grande festa”, disse, em tom de celebração, ignorando o hiato entre receita e despesa. O termo “faturar” soa dissonante num evento em que o lucro foi… negativo.
O modelo é antigo, com raízes no império romano e folhas secas no interior do Brasil: pão e circo. Oferece lazer popular enquanto alivia a pressão social por soluções mais complexas. A população, majoritariamente trabalhadora, ganha música, comida barata e uma sensação de pertencimento. Já os problemas estruturais da cidade, como os gargalos da saúde, a estagnação da assistência social e a transparência capenga, ficam para o dia seguinte.