A
questão identitária
Mark Lilla é um desses autores do momento. Seu livro “O Progressista de Ontem e o do Amanhã” traz uma crítica que está no centro de muitos debates: a crítica às políticas identitárias. A exemplo de Steve Levitsky e David Runciman, seus compatriotas, Lilla também reflete a partir da preocupação com a ascensão de Trump à presidência do seu país. Um caminho improvável em se tratando dos EUA, mas que teve êxito em 2016.
Para o cientista político e historiador americano, autor também de “A Mente Naufragada”, a vitória de Trump tem ligações com a opção do Partido Democrata (com quem Lilla tem relações), de estreitar relacionamentos com movimentos identitários, ignorando a necessidade de se discutir questões mais amplas e totalizadoras. O escritor mostra um posicionamento a favor de se ocupar os espaços de poder institucional, e aponta como eixo programático de sucesso para os liberais o conceito de cidadania.
A questão das políticas identitárias não está restrita à realidade americana. Ela também está no Brasil, e promoveu grandes conquistas, mas também restrições e problemas estratégicos para os progressistas. As pautas feministas, dos negros e dos gays são preciosas nos nossos tempos, mas sozinhas e desarticuladas com a luta institucional universalizadora acabam sendo limitadas.
Os movimentos identitários carregam códigos discursivos que dividem. O tal “lugar de fala” desautoriza brancos a falarem sobre os problemas dos negros, homens sobre as mulheres, como se cada grupo identitário tivesse o monopólio de sua história, restando às outras identidades acatarem suas leituras da realidade. Quando se organizam em eleições, falam exclusivamente por suas tribos, e nos parlamentos servem apenas como representantes de um grupo, não da república e da nação.
O filósofo Carlos Nelson Coutinho já fazia uma crítica marxista à fragmentação da luta política, ao criticar o multiculturalismo. Seria necessário construir uma síntese totalizadora, universal dos objetivos estratégicos da esquerda. Vencer eleições é extremamente importante, fora do estado não é possível melhorar a vida dos grupos minoritários. E aqui cabe pensarmos: como vencer uma eleição falando a partir de um ou poucos grupos apenas? Como obter maioria eleitoral e de governo com um discurso fragmentado e em intenso conflito?
Essa é uma questão que os progressistas do Brasil e do mundo precisam resolver. Colocar no centro das questões um programa amplo focado na cidadania e na solidariedade me parece ser um caminho para mantermos viva a agenda identitária sem que ela seja capaz de dividir e atrapalhar a construção de um mundo onde caibam todos, vivendo fraternalmente.
*Adelson Vidal Alves é historiador