O pó preto é um dos tormentos dos moradores de bairros construídos no entorno da Usina Presidente Vargas. Não é apenas a limpeza dos imóveis que fica comprometida, as partículas afetam também a saúde de milhares de volta-redondenses, provocando aumento na procura por consultas para tratamento de doenças respiratórias, como a rinite alérgica e a asma brônquica. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada ano, cerca de 7 milhões de mortes prematuras são causadas pela poluição do ar. São 800 pessoas morrendo a cada hora.
Outro dado alarmante, nove em cada dez pessoas no mundo estão expostas a altos níveis de poluição do ar, o que excede os números considerados seguros pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Este tipo de poluição causa uma série de problemas, afetando não apenas a saúde humana, mas também o crescimento econômico – custa à economia global 5 trilhões de dólares por ano.
O nível de emissão de partículas poluentes cresce consideravelmente neste período do ano, época de estiagem. Na última segunda-feira (dia 3), uma rajada de vento fez com que uma densa nuvem de fumaça cobrisse parte da fábrica da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), na região do Jardim Paraíba. “Estava passando pelo Aterrado e fiquei surpresa quando vi aquela nuvem de fumaça marrom vindo da CSN. Dava pra ver a poeira e os resíduos. Era muita coisa”, disse o estudante Saullo Menezes.
A professora de Educação Física Iane Cristine relatou em sua página em uma rede social que usou uma balança para conferir a quantidade e pó preto encontrado em sua casa. “Isso é um absurdo, olha a quantidade de poeira que a CSN está jogando na cidade. Ontem de manhã [dia 27] eu lavei meu quintal, quando foi à tarde varri novamente porque já estava com poeira. Hoje de manhã (dia 28), eu abro a porta e me deparo com muita poeira. Tirei fotos e ainda tive a curiosidade de pesar o saquinho de poeira que coletei na minha calçada, aproximadamente 500g de poeira”, disse a moradora do bairro Nossa Senhora das Graças.
A discussão dos problemas causados pela poluição levou a ONU Meio Ambiente a definir o tema e levar esclarecimento à população mundial. Segundo a Organização, o problema afeta, principalmente, crianças e mulheres grávidas. “Nove em cada dez pessoas em todo o mundo respiram ar poluído. As emissões nocivas são responsáveis por uma em cada nove mortes em nível global e por sete mi lhões de mortes prematuras por ano”, informa a ONU.
Inea
O Instituto Estadual do Ambiente (Inea), responsável pela fiscalização, entre outras empresas, da CSN, garante que é feito o acompanhamento em todo Estado do Rio de Janeiro, por meio de uma rede de Monitoramento da Qualidade do Ar composta por 58 estações automáticas e 124 semiautomáticas, que quantificam a concentração de material particulado, gases poluentes e parâmetros meteorológicos na atmosfera. À Folha do Aço, o órgão informou, ainda “que vistoriou a CSN e constatou pontos de acúmulo de pó, resultado do processo de produção”. O Inea revelou que “a siderúrgica será notificada para que realize melhorias nos procedimentos de limpeza.
“Licenciamento e fiscalização da poluição é de competência do Estado”, afirma secretário de Meio Ambiente
Atividades de fiscalização são fundamentais para a preservação ambiental, uma vez que este tipo de ação tem como principal missão controlar os impactos ambientais causados por atividades produtivas das mais diferentes naturezas. Por isso, existe uma legislação específica e diversos órgãos fiscalizadores do meio ambiente nas três esferas do poder público. No caso específico de Volta Redonda, o Inea é órgão responsável por fiscalizar a CSN. É o que afirma o secretário municipal de Meio Ambiente, Mauricio Ruiz.
“É prerrogativa do Estado se a poluição se tratar da CSN, assim como a avaliação de poluentes de veículos automotores”, garante Ruiz. Ainda segundo ele, cabe a SMMA a fiscalização de empreendimentos de baixo impacto. “Aquele que não tem relatório de impacto ambiental”, exemplificou. De acordo com ele, a secretaria já realizou mais de 1.200 fiscalizações nos últimos seis meses. “A gente realiza fiscalização com objetivo de resolver os mais variados problemas, inclusive de poluição atmosférica, não no caso da CSN”, explicou.
CSN garante que está tomando medidas para reduzir poluição
Apontada como principal poluidora de Volta Redonda, a CSN informou que está tomando uma série de medidas para reduzir a emissão de material particulado. “A partir do próximo dia 28 de junho, a CSN vai realizar uma grande parada no seu Alto-Forno 3 para uma grande reforma, que vai durar dois meses. Durante esse período, a empresa também realizará melhorias nas áreas de Aciaria e Sinterização. As manutenções terão como um dos seus principais focos a eficiência ambiental, o que vai assegurar redução nas emissões de material particulado, o “chamado pó preto”, relata.
Segundo a empresa, a solução definitiva do problema acontecerá a partir da reforma total das sinterizações. A medida é um dos itens do TAC assinado pela CSN, em 2018, no valor de R$ 300 milhões, prevendo uma série de investimentos durante os próximos anos. “Todos estes investimentos estão sendo realizados dentro do cronograma firmado entre a CSN e os órgãos ambientais”, disse por meio de nota.
Pneumologista esclarece sobre os problemas causados pela poluição do ar
Presidente do conselho deliberativo da Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do Estado do Rio de Janeiro (Sopterj) e professor do UniFoa, o médico Gilmar Zonzin explica que a poluição, presente principalmente nas cidades de maior porte, mais industrializadas e com trânsito intenso, especialmente, pode contribuir para o desencadeamento de crises de doenças respiratórias, como a rinite alérgica e asma brônquica. “Facilita o desenvolvimento de infecções respiratórias em especial quando a umidade do ar se encontra baixa. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 90% da população mundial respira ar considerado poluído, em maior ou menor grau”, destacou o pneumologista.
Confira trechos da entrevista de Gilmar Zonzin à Folha do Aço:
FA – Quem são os mais prejudicados?
Gilmar Zonzin: Crianças, idosos, portadores de doenças crônicas em especial respiratórias e cardiovasculares tendem a ser os mais prejudicados. Embora não existam pesquisas científicas no Brasil que avaliem o impacto da poluição na vida das pessoas, a OMS associa o aumento da incidência de várias doenças e de óbitos registrados no mundo a este tipo de exposição, especialmente quando mais intensa.
FA – O que podemos fazer para amenizar os efeitos?
Gilmar Zonzin: A maior parte das doenças respiratórias crônicas tem uma base na genética das pessoas. Embora algumas se manifestem eventualmente ou raramente, muitas vezes são desencadeadas com alterações do meio ambiente, como a queda das temperaturas, redução da umidade do ar e a poluição, entre outros aspectos. Para atenuar ou mesmo eliminar os sintomas dessas doenças, e tentar evitar crises, é fundamental que os pacientes façam acompanhamento médico regular, pois os tratamentos disponíveis são bastante eficazes nesse sentido, além de seguros. Mas, além desse tipo de atenção, obviamente temos a necessidade e expectativa de que seja realizado um maior e mais efetivo controle da emissão de poluentes na nossa atmosfera, o que certamente contribuirá para a saúde e qualidade de vida de todos, não apenas dos portadores de doenças respiratórias.
FA – Alguma dica às famílias?
Gilmar Zonzin: Endosso algumas recomendações da OMS para que as famílias evitem a poluição do ar dentro de suas próprias casas, uma vez que essa poluição pode ser bastante agressiva por causa da concentração de certos gases dentro dos cômodos dos nossos lares. Como exemplo, temos a sugestão de utilizar óleos de cozinha menos poluente, evitar combustão de lenha e carvão em ambientes sem exaustão eficiente da fumaça e principalmente, não fumar. Aliás, nem dentro nem fora de casa. Na verdade, nunca. É sem dúvida a maior poluição a ser evitada por todos.