Nayara tem um filho de 10 anos e se surpreendeu quando o menino, recentemente, retornou de uma aula chateado porque o colega chamou o ex-presidente Lula (PT), candidato à presidência da República, de ‘ladrão’. Ao mesmo tempo, Rafaela já precisou consolar o filho, de mesma idade, por diversas vezes após discussões enfrentadas com a turma que acusa o atual chefe de estado, Jair Bolsonaro (PL), ‘seu candidato’, de ter protelado a compra de vacinas contra a Covid.

O assunto, que deveria permanecer no âmbito do convívio entre os adultos, vem ocupando cada vez mais espaços frequentados por crianças e adolescentes. Seja nas escolas, nas atividades esportivas ou na pracinha do bairro, a discussão “Lula x Bolsonaro” invadiu a mente daqueles que ainda nem votam, mas que defendem, com afinco, nomes que julgam ser o ideal para o país.

“Meu filho é super interessado em política e, sem nunca ter incentivado nada, escolheu um candidato para torcer, já que ainda não pode votar. Até aí tudo bem. O problema é que acaba comentando com amigos e, quando um não concorda e ataca, ele fica triste. Não tem maturidade ainda para discutir e defender”, conta uma moradora de Volta Redonda, cujo filho está no 5º ano do ensino fundamental.

Já a outra mãe diz que é frequente em casa ver o filho cantando música de candidato e criticando quem quer que seja seu opositor. “Não costumo impedir. Acho até legal que ele tenha firmeza nas palavras, só não aceito que falte com o respeito com os colegas que pensam diferente”, pontua.

Nayara e Rafaela são nomes fictícios escolhidos pela Folha do Aço a pedido das duas entrevistadas que solicitaram à reportagem para não serem identificadas. Apesar de a obrigação ao voto ser para brasileiros com mais de 18 anos e o direito à participação no pleito para jovens com mais de 16 anos, especialistas acreditam ser importante permear a introdução política desde cedo, tendo fundamentos como o diálogo e a tolerância como essenciais no ensino.

Sem motivos para  fugir do assunto

Para a orientadora educacional Débora Parente, apesar da polarização atual, não há motivos para fugir do assunto. “Muito pelo contrário, a escola é um local de compartilhamento de conhecimento, e acredito que seja uma ótima oportunidade de explicar para as crianças a importância da democracia e o poder das nossas escolhas. As crianças são curiosas por natureza e, em período eleitoral, a curiosidade aumenta, pois, é quase impossível evitar o tema com tantas informações disponíveis na internet. O que a gente mais vê hoje em dia são meninos e meninas reproduzindo a fala dos pais, apenas repetindo o que ouvem”, comenta a profissional.

De acordo com Débora, porém, há um receio muito grande por parte dos educadores em abordar o tema. “Quando se fala em política, as pessoas geralmente pensam em política partidária, como se fosse um absurdo trazer o assunto para debate em sala de aula, como se o professor estivesse doutrinando os alunos e os influenciando na ideologia de esquerda ou de direita. Com isso, a gente perde a chance de abordar um tema tão rico, de trazer informações para que a criança possa construir seu próprio conhecimento, para ela poder fazer suas próprias escolhas de forma consciente, que entenda futuramente o valor do seu voto e a importância de respeitar a escolha do outro”, explicou.

A orientadora ressalta ainda o papel do educador neste momento de ânimos acirrados. “Não se trata de partido A ou B, mas de entender o processo de criação das leis para o convívio na sociedade, de saber os valores democráticos, os direitos e deveres dos cidadãos. Estamos falando de um debate político e todo debate é válido, desde que seja feito com respeito e diálogo. O professor está ali como mediador, para mostrar que o aluno pode discordar sem agredir e que é possível ensinar e buscar informações sem ideologia”.

Como orientadora educacional, Débora Parente diz que busca realizar ações que tragam a influência da política para o contexto das crianças, assim os futuros eleitores podem participar do processo eleitoral, de alguma forma. “Uma das atividades é a eleição para Representantes de Turma. Os alunos se empenham para apresentar suas propostas para a Escola, se mostram responsáveis e preocupados com seus direitos e deveres no ambiente escolar e buscam a confiança e o voto dos colegas de sala. Acho fundamental ensinar que a verdadeira política pode e deve ser respeitosa, acolhedora e humana para que as crianças tenham um pensamento crítico e não cresçam odiando política ou reproduzindo falas intolerantes e preconceituosas”, cita.

Nathalia Ribeiro é psicopedagoga e neuropsicopedagoga e também acredita na importância de se falar com crianças sobre política. “Não é porque a criança não vota que ela não precisa fazer parte das discussões. Só temos que tomar certo cuidado, pois a criança não tem maturidade para absorver certas informações e isso pode acabar criando situações conflitantes: criança discutindo com criança a respeito de política. É muito importante trabalhar com a criança o senso democrático, a importância de fazer suas escolhas, a questão da coletividade, porque é um voto, mas ele influencia em todo o resto da população”, analisa.

A profissional observa também a necessidade do desenvolvimento do senso crítico. “É necessário trazer, no tema da política, questões de ética, de respeito, de liberdade, democracia, coletividade e solidariedade. Você desenvolve na criança, além da maturidade, o senso crítico. E ela precisa entender também que as opiniões podem ser divergentes e que a gente precisa respeitar a opinião do outro, pois cada um tem seu ponto de vista”, lembra Nathalia Ribeiro.

Política em todas as áreas

Na análise do cientista político Guilherme Ávila, existe uma tendência em considerar a política como uma esfera exclusiva do estado, onde apenas neste espaço ela pode existir. “Porém, a política acontece em diversas áreas da nossa vida, já que ela está relacionada com as relações de poder presentes na sociedade. Essas relações de poder ocorrem em diversos espaços da vida social, como no trabalho, na universidade e na escola, sendo que, em cada um desses espaços, os indivíduos tentam satisfazer suas necessidades da melhor forma possível, colocando em pauta seus posicionamentos e ideias”, contextualiza.

No entendimento de Guilherme Ávila, as crianças também fazem parte deste cenário, já que estão envolvidas nas relações sociais e querem participar ativamente do processo político. O cientista político acrescenta que, por isso, é natural as crianças terem interesse pela política.

“Elas observam a vida na sociedade em que vivem e têm vontade de expor suas ideias e seus posicionamentos, demonstrando suas insatisfações e propostas para mudar o ambiente em que se encontram. As crianças, embora não estejam plenamente capacitadas para compreender a complexidade da vida social, observam o mundo e possuem opiniões próprias, que muitas vezes são compartilhadas entre seus colegas, e essa troca com seus semelhantes pode ser muito benéfica para sua formação, sendo capaz de criar empatia e capacidade de diálogo com os que divergem de seu pensamento”, define.

Ainda de acordo com o especialista, neste processo de formação política das crianças, é extremamente importante que elas aprendam desde cedo o valor de se viver em uma sociedade democrática. “Devendo sempre prezar pelo debate, pela exposição de argumentos e principalmente pelo respeito à diversidade de opiniões e posicionamentos políticos”, conclui Ávila.

Foto: reprodução da internet

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