Nos últimos anos, a sociedade viu crescer uma mudança significativa no modelo de mães. Cada vez mais mulheres têm optado por criar seus filhos sozinhas, assumindo o papel de mãe solo, enquanto outras buscam conciliar a vida profissional com a maternidade.
Esses modelos de mães estão desafiando os estereótipos tradicionais e mostrando que as mulheres podem ser mães presentes, bem-sucedidas e independentes. Neste contexto, o que não faltam são histórias de dedicação, de lutas e de conquistas, redefinindo a imagem da maternidade na sociedade atual.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualmente, as chamadas mães solo representam 37% de todas as famílias brasileiras. A jornalista Sarah Monteiro faz parte dessa parcela da sociedade desde 2021, quando viu sua vida – e de suas filhas – virar de cabeça para baixo ao perder o marido para a Covid-19.
“Foram dias de desespero com ele na UTI do hospital. Mas nada comparado ao momento da perda, quando me questionei: e agora? Criar um filho não é tarefa fácil e sem um companheiro ao lado, então, nem se fala. Tudo se torna ainda mais desafiador. A minha sorte (e das meninas) é que nunca nenhuma adversidade me abateu. Sempre fui batalhadora, guerreira e sabia que, por mais triste que fosse a caminhada sozinha, precisava seguir sem ele, por mim e principalmente por elas”, lembra Sarah, que conta com uma importante rede de apoio composta pela avó paterna e o avô materno das crianças.
A fotógrafa Évelin Braga também compartilha da experiência de cuidar sozinha de seus dois filhos: Matheus, de 11 anos, e Maria, de um. Para ela, a vida de mãe solo pode ser resumida em ‘um misto de cansaço e gratidão’. Assim como Sarah, a moradora do bairro Jardim Tiradentes também tem auxílio de uma rede de apoio, facilitando sua rotina dividida entre cuidar dos filhos, da casa e do trabalho.
“Embora haja dias difíceis, a maioria deles é gratificante. Ser mãe solo também gera muitos sentimentos, um dos maiores é também o mais preocupante deles: ficamos sempre com medo por não estar fazendo o certo, criando errado, mimando às vezes e querendo, na verdade, suprir uma falta na vida deles que não temos culpa. No fim de tudo, fico imensamente grata pela oportunidade de poder tentar todos os dias ser a melhor mãe que posso ser. Receber o amor deles é a maior alegria que um coração de mãe pode sentir”, relata a fotógrafa.
À espera de seu segundo filho, a economista Rebeca Nevares fala do desafio de conciliar maternidade e vida profissional. “Mais do que geradora de uma vida, o papel da mãe é fundamental para o desenvolvimento daquele ser humano. Contudo, alguns estudos nos mostram que se tornar mãe tem sido um desafio cada vez maior para as mulheres. Isso porque, ao terem filhos, muitas têm sido demitidas de seus empregos”, cita.
“Os efeitos são bastante diferentes entre si, mas, claramente, podemos perceber que realmente se trata de um problema, uma vez que este processo se repete tanto para trabalhadoras mais qualificadas quanto para as de menor escolaridade. Ainda que uma parte considerável dessas mulheres talvez tenham optado por sair de seus respectivos empregos, temos outra parcela importante que não queria e, pior, sequer poderia se dar ao luxo de abandonar seus trabalhos”, completa Rebeca.
Para a juíza do trabalho Monique Kozlowski, conciliar maternidade com a vida profissional, de fato, não é das tarefas mais agradáveis.
“Precisamos efetuar diariamente metamorfoses internas, ora priorizando os filhos, ora o trabalho. A sociedade nos vende ilusões românticas sobre a maternidade e uma magistratura glamorosa, onde a ‘mulher maravilha’ tem que entrar em ação, fazendo ajustes e adaptações. Todavia, conciliar essas duas tarefas soa impossível sem uma rede de apoio, seja de familiares ou de terceiros. A cada momento, há imposição e necessidade de ser sermos protagonistas de nossas próprias histórias, mas quando envolve filhos viramos meros coadjuvantes na vida de nossos filhos”, pondera a mãe da Maria Luíza e do Pedro.
Resumindo a maternidade, a magistrada cita o poema de Khalil Gibran sobre Filhos. “Há muito tempo, uma mulher com um bebê no colo indagou ao grande profeta sobre os cuidados com o filho e, de forma cautelosa, Ele disse: vocês são os arcos pelos quais seus filhos, como flechas vivas, são lançados. O arqueiro vê o alvo no infinito e puxa cada um com força para que as flechas voem ligeiras para longe. Entreguem-se de bom grado às mãos do arqueiro. Pois, assim como ama o voo da flecha, ele também ama a estabilidade do arco”, observa.
“O cuidado passa pela adolescência e segue até a vida adulta”, afirma psicopedagoga
Segundo a psicopedagoga Leondina Zanut, o papel materno começa na vida ultra-interina, desde a formação. “Quando o espermatozoide cruza a linha de chegada e entra no útero da mãe, cria-se um vínculo inexplicável. Com um mês de gestação, cria-se o cordão umbilical e essa construção fortalece ainda mais a formação deste vínculo”, explica.
A especialista detalha que a vida da mãe já muda desde a alimentação, dos cuidados com a higiene, das emoções, do toque na barriga. “E aqui fora a presença materna é muito grande. Se ele tiver fome, ele vai chorar. Se ele tiver frio, ele vai chorar, e o acalento, o carinho e o olhar vêm da mãe. Esse serzinho que está se desenvolvendo aqui no mundo depende da mãe e é ela quem conhece até a respiração do filho. Quando você participa desse processo, você entende esse bebê como parte de você. Por mais que outras pessoas cuidem, é a mãe quem faz isso da melhor forma possível”, resume.
Ainda segundo Leondina, a mãe é fundamental para que a criança cresça com saúde emocional, física e intelectual. “Hoje temos uma sociedade em que quase 100% das mães trabalham, e o tempo em que ela estiver com o filho é fundamental. Não adianta estar 100% em casa e não dedicar à qualidade que ele precisa. O cuidado passa pela adolescência e segue até a vida adulta. Não acaba, só aumenta”, ressalta.
A profissional destaca ainda a importância da maternidade como um período indeterminado na vida do ser humano. “Quanto maior, mais cuidado. Quanto maior, mais a mãe tem que estar presente. Aquele laço da vida ultra-interina não acaba quando se corta o cordão umbilical, ou quando o filho cresce, ou quando ele se casa. Muito pelo contrário. A gestação da vida fora do útero é a gestação da vida”, afirma.
Leondina lembra também da importância da mãe com o vínculo gerado. “Por isso, eu louvo as mães que adotam, porque elas criam vínculos fora da vida ultra-interina e isso só pessoas muito especiais, escolhidas a dedo, são capazes de fazer. Dispensar e aprender a ter um amor ágape pelo filho”, conclui.