Na marca dos 71 anos, Volta Redonda, a cidade que nasceu à sombra da mineração, cresceu com a agropecuária e o comércio e consolidou-se com a siderurgia agora enfrenta uma nova barreira: o “tarifaço” imposto pelo governo Donald Trump sobre produtos brasileiros.
Articulistas ligados ao Movimento Ética na Política (MEP) analisam os possíveis impactos. Apesar de algumas isenções anunciadas, parte dos itens exportados segue na chamada “lista Trump”, o que, segundo eles, pode gerar desemprego e agravar incertezas econômicas.
O peso das relações comerciais com os EUA é expressivo: quase 18% das exportações brasileiras têm como destino o mercado norte-americano, enquanto as importações vindas de lá representam de 2,5% a 3% do total.
Cautela
“O tarifaço precisa ser analisado em diferentes perspectivas. Vou usar uma metáfora: quando o rio está tão assoreado que a água desaparece da superfície, muitos acham que ele está morto. Mas, na verdade, a água só migrou para o subterrâneo”, comparou Érique Barcellos, da direção executiva do MEP e professor de sociologia do Pré-Vestibular Cidadão.
Segundo ele, o recuo de Trump sobre a taxação da Embraer ilustra esse movimento. “No dia 30 saiu a nota de que não haveria tarifa para a Embraer, e as ações dispararam. Temos que ler o que não está escrito, ouvir o que não foi dito. O café está na lista do tarifaço: exportadores vão ter de reduzir margens e vender mais no mercado interno até achar outro caminho para ganhar em dólar. Saber o que se passa na cabeça de Trump é impossível. Mas, em Volta Redonda, poderemos ver preços mais baixos para carne, manga e café. Em momentos assim, paciência e silêncio valem ouro”, disse.
Incertezas
Mesmo sem a imposição de tarifas sobre o aço, os reflexos em Volta Redonda já são sentidos.
“O cenário é incerto e o mercado antecipa cortes, arrochos e medidas para demonstrar ‘saúde’ financeira. É irônico: enquanto o expoente do capitalismo quer recuperar empregos e a produção industrial, a periferia vende não apenas seus produtos, mas também as chaves do seu desenvolvimento para atender a interesses de poucos”, analisou Luiz Gustavo Cavalcanti, doutorando em Direito pela UFF e conselheiro do MEP.
Riscos
Para Raquel Giffoni, professora de sociologia da UFF-Niterói e conselheira ad hoc da equipe socioambiental do MEP, a preocupação é outra.
“Tenho dúvidas sobre impactos diretos em Volta Redonda, porque aço inoxidável, aço-liga e outros tipos foram excluídos da tarifa. Minha apreensão é ver empresários usando isso como justificativa para arrochar salários, piorar condições de trabalho e promover demissões.”
Mitigação da poluição
O professor Raphael Lima, sociólogo da UFF e membro do conselho do MEP, aponta possíveis efeitos indiretos.
“O mercado americano responde por cerca de 50% da exportação brasileira de aço. Taxar esse produto é custoso até para as empresas americanas, já que o aço é um insumo estratégico. Não acredito que a medida dure muito. No entanto, é provável que sirva de argumento para a CSN cortar postos de trabalho, reduzir benefícios, travar acordos e retirar direitos. Caso o impacto na exportação se prolongue, a cidade pode sentir também o atraso nas medidas de mitigação da poluição.”