Diversos livros contam histórias de amor mostrando a perseverança de mulheres para realizar o sonho de ter filhos. Um dos mais procurados da atualidade é o memórias Minha História, de Michelle Obama. A autobiografia é elogiada por atrair mulheres de diferentes idades e em diferentes estágios da vida, falando da infância e carreira da ex-primeira dama dos Estados Unidos, do tempo que Michelle passou na Casa Branca, de aborto espontâneo e do tratamento de fertilidade para engravidar das filhas Malia e Sasha.
Apoiada em relatos como de Michelle Obama, a empresária de Volta Redonda Samille Simões, de 31 anos, luta desde o início do ano para obter autorização visando implantar embriões de seu falecido esposo. “Casei com o amor da minha vida. Logo começamos a tentar engravidar e não conseguimos. Tivemos o diagnóstico de esterilidade sem causa aparente. Recorremos à medicina e fizermos três intrauterinas e in vitro, onde congelamos três embriões Nenhuma inseminação teve sucesso, foi aí que a vida nos surpreendeu, positiva e negativamente”, conta Samille.
O tratamento de fertilização da empresária foi interrompido há 9 anos, quando seu marido Cleberton Cássio Landim descobriu um tumor cerebral. Em meio à luta pela vida do companheiro, inesperadamente, Samille engravidou de forma natural. O filho Pietro Cássio, no entanto, não chegou a conhecer o pai, que morreu ainda durante a gravidez da esposa.
Quase uma década depois, a moradora do Jardim Amália deseja dar um irmão a Pietro. O caminho escolhido por ela é a inseminação artificial com embriões congelados do finado. “Estamos tentando a liberação dos embriões que estão congelados para que eu possa realizar o sonho do meu filho de ter um irmão. É um sonho que tenho e vou batalhar judicialmente para que ele aconteça”, afirmou.
Samille Simões, no entanto, vem esbarrando em uma questão burocrática. A clínica de fertilização de Belo Horizonte, onde estão os embriões, não pode liberar o procedimento. Segundo a empresária, o Conselho Regional de Medicina da cidade mineira exige um documento autorizando a implantação dos embriões em caso de óbito. “A gente nunca imaginaria passar por essa situação. Por isso, não preenchemos o documento que faz essa autorização, não fomos orientados a isso. Nunca pensamos que ele morreria ou que eu engravidaria de forma natural”, explicou.
O pedido foi feito em janeiro último, quando o CRM solicitou documento à clínica onde o cônjuge expressaria o desejo da implantação dos embriões. Como o termo não foi assinado, a presidente da entidade, Claudia Navarro Carvalho Duarte Lemos, em ofício do dia 13 de março, negou o pedido. A decisão baseia-se na Resolução 2168/2017, do Conselho Federal de Medicina. “No momento da criopreservação, os pacientes devem manifestar sua vontade, por escrito, quanto ao destino a ser dado aos embriões criopreservados em caso de divórcio ou dissolução de união estável, doenças graves ou falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.”
Justiça
Com a recusa do CRM, Samille Simões partirá para uma ação judicial tentando a liberação dos embriões. A advogada Lara Soares explica que há casos semelhantes no Brasil. “Ela pode, sim, tentar autorização na Justiça. O primeiro julgado favorável para inseminação post mortem, sem autorização prévia do genitor, foi há 9 anos. Pela resolução realmente ela não poderia implantá-los, mas o direito é muito subjetivo e, inclusive, o embrião já tem direitos”, explicou.
Ainda segundo a advogada, tudo dependeria do entendimento do juiz da comarca que o processo estiver. “Mas ela deve tentar e há chances de sucesso”, analisou Lara Soares. “O que as clínicas se prendem nessa resolução, é que sem essa autorização elas responderiam por danos causados ao genitor ou a terceiros”, exemplificou.
Inseminação post mortem
A inseminação post mortem é aquela realizada após a morte de um dos genitores, sendo um procedimento permitido pela Resolução 1.957/2010 do Conselho Federal de Medicina, desde que haja autorização prévia e específica do (a) falecido (a) para a utilização do material biológico criopreservado, e observe a legislação vigente.
No entanto, trata-se de uma técnica que pode gerar inúmeros conflitos na área jurídica, porque atinge os direitos personalíssimos dos embriões envolvidos, em decorrência das consequências pessoais e patrimoniais a que ficam submetidos.
A mulher precisará do consentimento do esposo ou do companheiro, tanto na reprodução assistida homóloga quanto na heteróloga para realizar tal procedimento. O inciso III do art. 1.597 do Código Civil dispõe que se presumem concebidos na constância do casamento os filhos havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido ou companheiro.
Diante da teoria da responsabilidade civil, a clínica que realizar esse procedimento em desacordo com o disposto na resolução responderia de forma objetiva pelos danos causados ao genitor, ou a terceiros, quando não houver autorização, devido a relação de consumo estabelecida no emprego destas técnicas ser considerada uma relação de resultado, aplicando-se o § 1o, inciso II do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.