Um processo de usucapião iniciado em 2015 na Justiça Estadual do Rio de Janeiro teve desfecho vitorioso, há quatro semanas, para uma moradora de Volta Redonda assistida da Defensoria Pública da União (DPU), que conseguiu obter a titularidade do imóvel onde residia há 33 anos. Foi uma longa disputa judicial, na qual a Caixa Econômica Federal (CEF) acabou entrando no processo como parte interessada.
O imóvel onde residem E.A., 74 anos, e seu filho, 40, foi adquirido por meio de troca de uma residência no mesmo bairro, realizada pelo ex-marido dela. A idosa é aposentada por invalidez, recebendo pouco mais de R$ 700 por mês, e seu filho está desempregado. Mesmo após a separação, ela e o filho continuaram residindo no imóvel, de cerca de 180 m².
Ao decidir regularizar a situação, uma vez que nenhum imóvel no bairro possui documentação regularizada, a aposentada ajuizou ação de usucapião para assegurar sua propriedade, sendo assistida pela Defensoria Pública do Estado (DPE) do Rio de Janeiro. No entanto, no curso do processo, a Caixa ingressou na ação como parte interessada, alegando que o imóvel possui dívida garantida por hipoteca, desde 1983, com recurso do Sistema Financeiro de Habitação (SFH).
Com o ingresso do banco, o processo foi remetido para a competência da Justiça Federal e a DPE encaminhou a idosa para procurar assistência na DPU, que é o órgão que poderia atuar gratuitamente na defesa de seus interesses no âmbito da Justiça Federal. A Defensoria em Volta Redonda, por meio do defensor público federal Raphael Santoro Soares, atuou na defesa da aposentada, alegando direito a usucapião especial urbano e que a CEF, apesar de reiteradamente alegar a existência da dívida hipotecária, não juntou qualquer documento que comprovasse a dívida ou de que se tratava de financiamento com recursos do SFH, nem ao menos foi comprovado que estavam executando a garantia hipotecária.
“No mais, trata-se de financiamento que se remonta ao ano de 1983. Desde quando não foi pago o financiamento? Houve ingresso de ação judicial para execução da garantia pela Caixa Econômica Federal? Inclusive, cumpre ressaltar que é aplicável ao caso em questão o artigo 177 do Código Civil de 1916 que dispõe sobre a prescrição de direitos reais em 10 anos. Portanto, do inadimplemento caberia a CEF executar a garantia hipotecária em 10 anos, sob pena de prescrição da garantia; inclusive não há qualquer prova neste sentido. Mesmo que houvesse ação em curso, não teria o condão de interromper a prescrição aquisitiva, prevalecendo a usucapião sobre a garantia, e, rompendo-se o vínculo anterior, conforme a jurisprudência”, sustentou o defensor no processo.
Origem do imóvel
O imóvel faz parte de um loteamento fruto de uma ocupação posseira ocorrido em decorrência de problemas financeiros de uma empresa privada que o adquiriu, em 1983, por meio de financiamento imobiliário com verbas do SFH. A empresa iniciou sua construção, mas não concluiu. Desde 1984, a CEF esteve inerte quanto ao bem, sem tomar qualquer medida para regularizar a situação, seja por meio de execução extrajudicial, seja por meio de novos pactos de novação com a empresa.
Conforme entendimento jurisprudencial, bens vinculados ao SFH não são passíveis de usucapião, pois, geralmente, são de propriedade da CEF, que o adjudicou em processo de alienação extrajudicial e, nesse caso, visam recompor o patrimônio do próprio FGTS ou do programa de financiamento habitacional. Outra opção é serem propriedade de terceiro, estando hipotecados como garantia da dívida, visando, também nesse caso, assegurar que o agente financeiro que veicula as políticas públicas habitacionais tenha um mínimo de segurança nas operações vinculadas ao SFH.
De acordo com a decisão, que conferiu o direito de usucapião à aposentada, “esse é o ponto nevrálgico da lide: ainda que se reconheça que, originariamente, o bem prestava a uma função social diretamente vinculada a políticas públicas, é impossível que, quase 40 anos depois, se reconheça que está preservada essa característica, exatamente porque as obras foram abandonadas e não há uma demonstração de interesse sequer que possa evidenciar a importância do bem para a higidez do sistema”.
A usucapião especial urbana está prevista tanto no artigo 183, da Constituição Federal, quanto no artigo 1.240, do Código Civil, e também no artigo 9° do Estatuto da Cidade. Essa modalidade de usucapião exige que o possuidor esteja em posse de área urbana inferior a 250 m² por cinco anos ininterruptos e sem oposição, utilizando-se a posse para moradia ou de sua família, desde que não seja proprietário de outro imóvel. A aposentada e o imóvel onde reside cumpriam todos os requisitos legais. O imóvel da assistida foi avaliado, no processo, em R$ 20 mil.
O juiz da 3ª Vara Federal de Volta Redonda julgou procedentes os pedidos da Defensoria, declarando que E.A. adquiriu, por usucapião especial urbano, a titularidade do domínio do imóvel onde reside. O magistrado determinou o cancelamento do gravame hipotecário incidente sobre o bem no Cartório de Registro de Imóveis competente e a anotação, na matrícula respectiva, acerca da aquisição da propriedade.
Por fim, determinou que, em virtude da aquisição do bem por usucapião, a CEF se abstenha de promover eventuais medidas de excussão, atualizando seus cadastros com a aquisição da propriedade ora reconhecida.
Nota da redação: Por praxe, a Defensoria Pública não divulga informações específicas que permitam identificação sobre pessoas assistidas que permitam sua identificação sem a expressa autorização dela. Seguindo essa linha, somente as iniciais da assistida foram utilizados na matéria, bem como não foi relatado o nome do bairro onde ela reside.