O Ministério Público Federal (MPF) move ação civil pública contra a União para que peça desculpas formalmente aos familiares dos três trabalhadores mortos e à sociedade brasileira durante greve na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em novembro de 1988, no episódio conhecido como “Massacre em Volta Redonda”. O pedido de desculpas deve ser publicado em dois jornais de grande circulação no Estado do Rio de Janeiro. Além disso, o MPF pede que seja reformado o monumento de Oscar Niemeyer, em homagem aos mortos, “Memorial 9 de Novembro”.
Inaugurado no dia 1º de Maio de 1989, o monumento se encontra em péssimo estado de conservação. Em diligência externa realizada pelo MPF (06/10/22), no âmbito do inquérito instaurado para apurar os relatos do historiador da Comissão da Verdade, Edgard Bedê, foi constado que o memorial está em péssimas condições de conservação e limpeza, “necessitando de uma revitalização para que o monumento perpetue a lembrança da morte dos três operários que lutavam pelo respeito a Constituição e ao processo de redemocratização em um momento em que o regime ditatorial ainda permanecia presente”, detalha o relatório.
Na ação, o MPF pede ainda que se inclua no Memorial 9 de Novembro, localizado na Praça Juarez Antunes, uma placa indicativa e em local de destaque, informando que a homenagem se refere a reconhecimento pela União do direito à memória e à verdade de Walmir de Freitas Monteiro, Willian Fernandes Leite e Carlos Augusto Barroso, mortos em 9 de novembro de 1988 pelo Exército.
Entenda o caso – A atuação do Exército na repressão aos movimentos grevistas era frequente e, mesmo após o encerramento do regime militar, o modus operandi do período ditatorial ainda podia ser observado na cidade de Volta Redonda.
Entre dezembro de 1986 a novembro de 1988 ocorreram seis invasões militares à CSN, época em que a empresa ainda era estatal, com o intuito de reprimir movimentos grevistas pacíficos. A última intervenção do Exército ocorreu em novembro de 1988 e levou à morte brutal dos três operários. A deflagração da greve pelos operários teve início na manhã do dia 7 de novembro de 1988, após votação da assembleia dos metalúrgicos. O objetivo da greve era a luta por direitos, como por exemplo: adoção do turno de trabalho de seis horas, conforme previsto na Constituição Federal, que entrou em vigência no mesmo ano; ressarcimento das perdas salariais advindas com o surgimento do Plano Bresser; e readmissão dos operários demitidos na Greve Geral de 1987.
Com intuito de reprimir o movimento, militares do Exército invadiram e ocuparam a Usina, culminando na morte dos três grevistas. O primeiro assassinato aconteceu por volta das 19h30, tendo como vítima Walmir de Freitas Monteiro, 27 anos, que foi acertado com um tiro nas costas enquanto saia do refeitório. Willian Fernandes Leite, 22 anos foi o segundo a ser assassinado com um tiro no pescoço. Já Carlos Augusto Barroso, 19 anos, visto pela última vez no refeitório, teve como causa de sua morte o esmagamento craniano após sofrer pancadas na cabeça.
“Apesar da brutalidade dos fatos e de muitos testemunhos de dirigentes e ativistas que presenciaram o conflito, os responsáveis nunca foram punidos e os familiares nunca receberam uma indenização reparatória da Comissão de Anistia, por ser considerado fato ocorrido após a Constituição de 1988. Tudo isso mostra a estatal continuava tutelada pelo Exército mesmo após a redemocratização. Apesar de os fatos terem ocorridos após o regime ditatorial, é evidente que em Volta Redonda este regime ainda estava presente à época dos acontecimentos, uma vez que ainda prevaleciam as fortes influências militares e federais que maculavam os direitos humanos, mesmo não se encontrando mais, em tese, no chamado período de ‘exceção’, mas em um momento de transição para o regime democrático”, analisa o procurador da República Jairo da Silva, autor da ação.
Inquérito Civil Público n. 1.30.010.000154/2015-82
Ação Civil Pública n. 5009006-93.2022.4.02.5104, que tramita na 3ª Vara Federal de Volta Redonda.