Nesta semana, o youtuber Felca parou a internet ao divulgar um vídeo de 50 minutos expondo influenciadores que abusam da imagem de crianças e adolescentes. Intitulado “Adultização”, o vídeo mostra menores de 18 anos com pouca roupa, dançando músicas sensuais ou falando de sexo em programas transmitidos para milhões de seguidores no mundo todo.
Felca demonstrou, na prática, como o algoritmo das plataformas digitais entrega esse tipo de conteúdo a pedófilos. Ele também entrevistou a psicóloga Thainá Lyrio de Faria, especialista em desenvolvimento infantil, que explicou os riscos da exposição precoce de crianças e adolescentes.
A polêmica também envolveu o influenciador digital Hytalo Santos, alvo de acusações de exploração sexual infantil. O Ministério Público da Paraíba entrou com ação civil pública contra Hytalo, aceita pela Justiça, determinando a proibição de contato com menores citados no processo e o bloqueio de todas as suas redes sociais.
Dados na Cidade do Aço
O caso exposto por Felca acendeu um alerta nacional e mostrou que o problema não está distante. Em Volta Redonda, dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) revelam que, em 2024, houve 15 registros de divulgação de cenas de estupro, sexo ou pornografia envolvendo crianças e adolescentes.
Além disso, foram contabilizados três casos de posse de material pornográfico infantil, um caso de aliciamento, sete vítimas de assédio sexual, 55 menores vítimas de estupro e um registro de constrangimento ou vexame. Especialistas alertam que a subnotificação é alta e os números reais podem ser ainda maiores.
Legislação e desafios jurídicos
A advogada especialista em Direito de Família, Danielle Pinheiro, lembra que, embora não haja lei específica sobre direitos das crianças no ambiente digital, instrumentos como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) oferecem bases para proteção.
“Os desafios são complexos e multifacetados. As plataformas evoluem rapidamente e a legislação não acompanha com a mesma velocidade. Faltam regulamentações específicas sobre ‘adultização’ precoce e mecanismos eficazes para responsabilizar empresas pela moderação dos conteúdos”, afirma Danielle.
Para ela, é fundamental estabelecer verificação robusta de idade, sistemas automatizados de detecção e remoção de material impróprio, exigência de relatórios de transparência e sanções rigorosas pelo descumprimento das regras. A advogada defende ainda o incentivo a programas de educação digital e a atuação conjunta de famílias, escolas, sociedade civil e órgãos públicos.
“A denúncia eficaz exige que todos conheçam canais como o Disque 100, as plataformas de denúncia das próprias redes sociais e os órgãos de proteção à criança e ao adolescente”, reforça.
O que é “adultização” e como ela afeta crianças
A psicóloga Thainá Lyrio de Faria explica que “adultização” é expor crianças e adolescentes, de forma precoce, a comportamentos, responsabilidades ou estereótipos próprios de adultos. Essa exposição pode gerar ansiedade, estresse, pressão psicológica e até uma “perda” simbólica da infância, prejudicando o desenvolvimento emocional e a autoestima.
Segundo ela, diferenciar um conteúdo saudável de um prejudicial exige equilíbrio: o material deve ser adequado à idade, respeitar a maturidade emocional e estar contextualizado. “A chave está em supervisionar o consumo, estabelecer limites, manter diálogo constante e incentivar atividades offline e criativas”, orienta.
Thainá destaca que psicólogos, educadores e sociedade civil devem trabalhar juntos na orientação e observação, além de pressionar por políticas públicas que reduzam o apelo à adultização. “Uma exposição saudável é aquela supervisionada de forma ativa, com comunicação aberta entre adultos e crianças”.
Conectividade e vulnerabilidade
Segundo pesquisa do Cetic.br, 93% das pessoas de 9 a 17 anos no Brasil usam internet, cerca de 24,5 milhões de crianças e adolescentes, e 83% possuem perfil próprio em redes sociais. O estudo também aponta que 30% tiveram contato online com alguém que não conheciam pessoalmente, aumentando o risco de exposição a abusos.
Voltado à prevenção da exploração e do abuso sexual de crianças e adolescentes no ambiente virtual, a Polícia Federal lançou o programa Guardiões da Infância. A iniciativa, presente em escolas públicas e particulares de todo o país, promove palestras e atividades educativas para estudantes, pais e educadores, adaptando a linguagem conforme o público.
Em Volta Redonda, o projeto tem sido bem recebido, segundo o delegado Pedro Paulo da Rocha. Ele destaca que a proposta atua na base do problema, prevenindo crimes que deixam marcas profundas e muitas vezes abordando temas desconhecidos até mesmo de pessoas com experiência no uso da internet.
Desafios e prevenção
Apesar dos avanços, o delegado aponta três desafios principais: conscientizar os jovens sobre os riscos da internet, estimular a confiança entre filhos e responsáveis e superar as dificuldades técnicas das investigações cibernéticas. Em casos de crime, ele orienta bloquear o autor, registrar provas e acionar a Polícia Federal ou Civil. A delegacia de Volta Redonda, que atende 12 municípios, viu o número de investigações triplicar desde 2022.
Pedro Paulo também recomenda o site safernet.org.br, parceiro da PF, que oferece dicas, orientações e atendimento anônimo e gratuito. Para ele, “a prevenção ainda é o caminho mais eficaz”.
Ações políticas
A denúncia de Felca também mobilizou políticos de diferentes correntes. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enviou ao Congresso Nacional um projeto para regulamentar redes sociais, enquanto a Câmara dos Deputados passou a analisar 32 propostas que tratam de prevenção e combate à exposição indevida, à “adultização” e à exploração sexual infantil no ambiente digital.
Entre essas propostas, 18 criminalizam práticas específicas online envolvendo menores ou aumentam penas; 15 estabelecem obrigações para remoção de conteúdo e filtros; 17 criam mecanismos para monitoramento por pais e responsáveis; oito propõem limites à atuação de crianças como influenciadoras; e pelo menos 10 reforçam a importância da educação digital.
O enfrentamento da adultização infantil nas redes sociais tornou-se pauta também na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Na quarta-feira (dia 13), o Diário Oficial do Legislativo publicou sete projetos de lei relacionados ao tema.