*Por Adelson Vidal Alves

Tenho orgulho de ser amante dos bares. No balcão do botequim reside o mais competente dos divãs. Ali confessamos pecados, choramos nossas dores, celebramos conquistas. No bar, nenhuma inimizade dura, é onde as grandes reconciliações acontecem. Nem mesmo o mais magoado dos espíritos resiste ao apelo solidário da cultura de boteco.

Mas o novo coronavírus, portador da doença do isolamento, atingiu em cheio o botequim. Para fugir da morte, fomos obrigados a nos recolhermos em casa, a cessar os abraços, a nos mantermos distantes uns dos outros. Tão cedo sentaremos em um bar para ouvirmos tranquilamente música ao vivo. Os contatos afetivos estão temporariamente proibidos, o forrózinho com os pares dançando agarradinhos é uma peça de museu cultural. Sabe-se lá quando
a vacina nos devolverá o sossego do afago.

A Covid-19 é tão forte assim para abolir de vez nossas conquistas boêmias e festivas? Li recentemente um adepto do fundamentalismo
epidemiológico categoricamente indignado com as festas que via a seu redor. Não foi avisado que fumaça de churrasco e música alta não transmitem o vírus, mas sim pessoas. Os bares e as festas continuarão existindo, mas vão ter que se adequar a uma nova realidade. Tolo é
aquele que acredita ser possível trancar brasileiros por meses em suas casas sem cerveja e diversão.

Todavia, para que a cerveja gelada continue em nossa rotina é preciso responsabilidade e cuidado. No Brasil, a reabertura do comércio virou
sinônimo de retorno à normalidade. Os bares cheios, com as pessoas ignorando distanciamento e higienização, são as portas abertas para a perpetuação do vírus em nosso meio e a ampliação medonha de contágios e mortes. O distanciamento social de dois metros é uma questão que já deveria ser instintiva neste momento, só que nos botecos brasileiros distanciamento só na fila do banheiro.

O individualismo vence a ética do cuidado. Em meio a multidões despreocupadas, as pessoas expõem-se voluntariamente à morte, sem
se preocupar que o seu descuido pode botar fim à vida do idoso ou do vizinho vulnerável de saúde. Sua normalidade sagrada é retomada
sem qualquer preocupação com o outro, ignorando milhares de covas que se abrem todos os dias em nosso país para enterrar sonhos.

Os bares poderiam seguir funcionando, desde que respeitássemos regras, entendêssemos a gravidade atual, e aceitássemos que a normalidade do passado passou e o momento é outro. Festas poderiam continuar acontecendo, com cuidado, distanciamento, álcool em gel e limite de pessoas. É o que deveremos fazer daqui para frente.

Mas no Brasil, a teimosia e a ignorância nos lançam em uma ascendência constante da curva epidêmica, o que, mais ou cedo ou mais tarde, forçará o terrível lockdown. Para salvarmos vidas, teremos
que nos fazer prisioneiros da pandemia, sacrificando a liberdade contra a morte. Mostra que somos infantis como sociedade, egoístas como povo, ignorantes e irresponsáveis como indivíduos. Sem governo, avançamos rumo à nossa própria sorte. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

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