Moradores do Jardim Amália I estão se organizando para entrar com ações individuais e coletivas contra o Município de Volta Redonda, que permitiu o início das obras de um polêmico empreendimento imobiliário em uma área do bairro, considerado um dos mais tradicionais da cidade. Registrado na Prefeitura “sob o disfarce” de hotel, unidades são vendidas como flats. No entendimento dos moradores, a região não tem estrutura para suportar tal projeto.

As obras do empreendimento tiveram início na pacata Rua Corifeu Marques. O Link Flats, como aparece em outdoors e nas redes sociais, oferece em propagandas dezenas de apartamentos de pouco mais de 22 metros quadrados, sem vagas de carros para todos. “São as chamadas casas de pombos, sem garagens para todos os apartamentos. Onde os carros vão ficar? Pelas ruas do bairro, óbvio. Imaginar um hotel de nove andares aqui é surreal. Inconcebível”, lamentou Ana Maria da Silva, 50 anos, que reside nas imediações.

“O que nos deixa mais indignados e decepcionados, é que o próprio prefeito Antônio Francisco Neto também mora a menos de 200 metros dessa aberração que começaram a construir. Ele até recebeu uma comitiva de moradores, mas não moveu uma palha sequer para embargar esse absurdo. Como Pilatos, lavou as mãos, alegando que o processo de liberação das obras não foi na administração dele. Francamente. Vamos processá-lo também por essa omissão”, desabafou outro morador, Josimar Peixoto, de 62 anos.

Além de pedir socorro ao Ministério Público e a magistrados do Fórum local, os moradores solicitam fiscalização do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea), e planejam, se a Justiça e os outros órgãos não se manifestarem, desencadear uma série de manifestações. “Se for preciso, vamos acampar na porta do imóvel em construção, em frente ao prédio do prefeito, na Câmara de Vereadores, que também faz vista grossa, e até fechar a BR-393 (Lúcio Meira)”, adiantou Josimar.

 Drible na legislação na “cara dura”

Ainda no início da mobilização pelas redes sociais dos moradores do Jardim Amália I, o arquiteto Marcelo Bougleux explicou que, como a legislação não permite imóveis só com quitinetes, os responsáveis por esses tipos de edifício conseguem aprovação na prefeitura como hotel ou unidade habitacional transitória, conforme permitido por lei.

Na mesma oportunidade, Bougleux classificou a manobra de “prática nefasta”, para supostamente beneficiar determinados grupos empresariais. A tática faz com que a obrigatoriedade por uma vaga de garagem por unidade, por exemplo, se torne desnecessária, e passe a valer apenas para 30% (o número de vagas) para um projeto desses.

Os argumentos se baseiam nas leis municipais 1414/77 e 1412/77, que tratam do assunto. Segundo os moradores, as ruas da região não suportarão novas vagas de estacionamentos, entre outros transtornos. As poucas que existem, mal atendem a demanda atual. Outro problema são os encanamentos de água e esgotos velhos, da década de 1980, que vivem vazando, quando há maior movimento de veículos nas estreitas vias.

A partir do ano passado, com a posse do atual governo municipal, além de modificar nossas aprovações, passaram a aprovar os empreendimentos deste tipo como unidades independentes, o que conflita com o Artigo 9º da Lei 1414, que assim preconiza: “Art. 9º – Toda unidade residencial será constituída, no mínimo, de quatro compartimentos, sendo dois de permanência prolongada, um banheiro e uma cozinha.”

Ao citarem que não houve estudo socioambiental, o instrumento urbanístico ideal seria o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), porém o Município não dispõe de tal instrumento legal. É noticiado que no governo Samuca Silva (União Brasil) foi encaminhado à Câmara projeto de lei do EIV. No entanto, não houve avanço da questão na Casa Legislativa.

A classificação das edificações residenciais, conforme artigo 6º da Lei Municipal 1414, parágrafo 2º diz que as edificações multifamiliares são de uso permanente ou transitório, conforme o tempo de utilização de suas unidades; a) são edificações de uso permanente os edifícios de apartamentos e a parte residencial das edificações mistas; b) São edificações de uso transitório os hotéis, motéis e “congêneres”.

Desta forma, o empreendimento de nove andares que está sendo erguido no Jardim Amália I foi aprovado, usando como subterfúgio a classificação como “congêneres” (flats, apart-hotel e lofts).

No início do ano passado, o prefeito Neto fez severas críticas a empreendimentos aprovados na gestão anterior, 2016-2020. No entanto, os empreendimentos foram aprovados na classificação de residencial transitório, somente na modalidade hotel, não sendo permitido que as construções se caracterizassem como unidades independentes, afirma um especialista no assunto.

“Apesar de a Prefeitura de Volta Redonda garantir aos moradores estar agindo dentro da lei, dizendo que o prédio atende a todas as normas técnicas adotadas no país, não há menção, porém, de estudo socioambiental no bairro”, afirmou outro morador que preferiu anonimato.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.