Advogados de Volta Redonda têm sido usados como isca por criminosos para aplicar golpes em clientes. Segundo a 93ª Delegacia de Polícia, cerca de 160 registros desse tipo de crime foram formalizados desde 2023. A maior parte é de tentativas frustradas, mas há casos em que os golpistas conseguiram obter valores. Uma vítima, por exemplo, perdeu R$ 2.500 por meio de um Pix.
A advogada Roberta Raposo, especialista em Direito Previdenciário, relata que já foi alvo de criminosos em mais de cinco ocasiões. “Eles pegam um número, nossas fotos na internet e outras informações do WhatsApp, como o horário de atendimento, e criam um perfil falso. Entram em contato com dados verdadeiros de processos e dizem: ‘ganhamos a ação, agora precisamos liberar o valor’”, conta.
Segundo ela, os criminosos usam diferentes artifícios. “Às vezes se passam por mim, outras vezes dizem que trabalham comigo. Colocam valores aleatórios e pedem transferências para liberação do dinheiro. Infelizmente, uma cliente acreditou e fez um Pix de R$ 2.500. Orientei a registrar ocorrência e acionar a Caixa, mas sabemos como é difícil reverter”, lamenta a advogada.
Roberta afirma que passou a incluir cláusulas nos contratos para alertar os clientes sobre contatos indevidos. “Ainda assim, tem gente que cai. Essa cliente que perdeu dinheiro disse: ‘era sua foto, seu nome’. Eu respondi: ‘mas era o meu número?’ Ela disse que não. Falta frieza na hora, a empolgação com o valor a receber faz com que a pessoa não pense direito”, avalia.
Para se proteger, Roberta Raposo fechou o Instagram e alerta para o uso de inteligência artificial. “Daqui a pouco, vão clonar também nossas vozes. É um cenário muito preocupante. A OAB tem cobrado mais investigação da delegacia, porque a situação está fora de controle. Todo dia tem caso novo.”
Mais casos
A advogada Alessandra Gonçalves também teve seu nome usado em tentativas de fraude. “Um cliente me ligou estranhando uma mensagem pedindo dados bancários e falando de um processo que, inclusive, já estava arquivado. Depois, outros ligaram com a mesma suspeita. Uma cliente chegou a enviar alguns dados, mas me ligou a tempo. Alertei nas redes sociais, em grupos de advogados e comuniquei à OAB”, afirma.
O escritório da advogada Danielle Pinheiro identificou tentativas de golpe com uma abordagem diferente: os golpistas se passavam por parceiros do escritório. “A maioria dos clientes percebeu pelo número de contato, mas uma vítima clicou em um link enviado e teve suas contas bancárias esvaziadas. Felizmente, ela conseguiu recuperar o dinheiro”, contou.
Para evitar novos casos, Danielle enviou uma mensagem em lista de transmissão para seus clientes: “Nenhuma outra pessoa está autorizada a realizar cobranças ou solicitar valores em nome deste escritório. Qualquer dúvida, entre em contato exclusivamente por este número de WhatsApp”, diz o alerta.
Agravamento
A vice-presidente da OAB-VR, Annelise Dias, destaca que o problema se agravou. “Desde o início da gestão, estamos atentos ao aumento e à diversificação dos golpes. A OAB já emitiu ofícios em 2024 e 2025 orientando os advogados e advogadas. Também criamos uma comissão interna para acompanhar os registros e solicitamos celeridade nas investigações”, explica a advogada.
Segundo Annelise, a orientação é que todos os advogados alertem seus clientes, inclusive ex-clientes, e informem em contrato quais são os canais oficiais de comunicação. “Além disso, divulgamos o modus operandi dos golpistas por todos os meios: rádios, jornais, redes sociais e até outdoors. Já há indícios do uso de inteligência artificial para clonar vozes.”
Era dos golpes virtuais
O delegado titular da 93ª DP, Vinícius Coutinho, explica o contexto dos crimes. “Estamos vivendo a era dos golpes virtuais, em que a velocidade das informações e das transações financeiras facilita a ação dos criminosos. Basta um celular com aplicativo bancário para que a vítima transfira o dinheiro em segundos”, explica, acrescentando que os golpistas costumam obter dados de processos por meio de fontes públicas.
“Com informações sobre as partes, os advogados e a natureza da ação, eles entram em contato e solicitam valores com a justificativa de custas judiciais. Só depois da transferência a vítima percebe que foi enganada.”
Segundo o delegado, muitas investigações estão em andamento, e os registros estão sendo agrupados por modo de atuação. “Isso nos permite otimizar os recursos e tentar identificar os criminosos. São inquéritos complexos, que exigem quebras de sigilo bancário, fiscal e telefônico, além de cooperação entre polícias de diferentes estados.”
O delegado Vinícius Coutinho solicita que as vítimas desse tipo de crime compareçam à delegacia munidas de cópia dos comprovantes das transações e prints das mensagens em arquivo do tipo PDF. A comunicação à polícia pode ser feita também pelo endereço eletrônico www.pcivil.rj.gov.br.
Parceria PCERJ e OAB
A Polícia Civil e a OAB-VR alinharam uma parceria para facilitar o andamento das investigações. “A presidente da OAB, Carolina Patitucci, vai nos repassar os casos que chegarem ao conhecimento da instituição. Também acordamos que a OAB pode apoiar ações judiciais necessárias para elucidar os crimes e recuperar os recursos das vítimas”, complementou Vinícius.
Além dos boletins de ocorrência, o delegado orienta que as vítimas acionem seus bancos o quanto antes. “É possível usar o Mecanismo Especial de Devolução (MED) do Banco Central. O banco analisa a situação e, se confirmar o golpe, pode bloquear o valor na conta de destino.”
A recomendação final, tanto da polícia quanto da OAB, é clara: desconfie de contatos não oficiais, confirme pessoalmente com seu advogado e nunca envie dados ou dinheiro sem ter certeza absoluta da origem da solicitação.