O Ministério Público Federal (MPF) denunciou a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e quatro de seus executivos por crime de poluição e impedimento à regeneração natural da flora, em razão do acúmulo de mais de 5 milhões de toneladas de escória, resíduo industrial altamente alcalino, nas margens do Rio Paraíba do Sul, em Volta Redonda. A denúncia, protocolada no último dia 30 de setembro na 2ª Vara Federal do município, pede indenização superior a R$ 430 milhões, sendo R$ 330,5 milhões por dano material e ecológico e R$ 100 milhões por dano moral coletivo.
As investigações apontam que a CSN deposita escória a céu aberto desde as décadas de 1970 e 1980, prática que persiste até hoje, com pilhas que ultrapassam 30 metros de altura e ocupam área equivalente a 20 campos de futebol. O material contém metais pesados e produtos químicos que contaminam o solo, a água e o lençol freático, com pH de até 13,04, além da presença de fenóis e metais acima dos limites legais. O impacto atinge diretamente mais de 40 mil moradores de bairros vizinhos à usina Presidente Vargas.
Segundo o procurador da República Jairo da Silva, autor da denúncia, o caso representa uma das mais graves infrações ambientais já registradas no Médio Paraíba. “O objetivo é impor juízo de reprovação à conduta das grandes corporações, garantindo a efetividade do Direito Penal Ambiental”, afirmou.
O MPF sustenta que a empresa age de forma dolosa e contínua, ao manter uma “política corporativa consciente de descumprimento sistemático das normas ambientais”, gerando “grandes transtornos à população e exigindo resposta firme do Estado”.
A área atingida inclui zonas de proteção permanente (APPs) e a Faixa Marginal de Proteção (FMP) do Rio Paraíba do Sul, dentro dos limites do Refúgio de Vida Silvestre do Médio Paraíba (Revismep), unidade de conservação federal criada em 2013 para proteger o ecossistema fluvial.
“A dimensão da lesão está diretamente ligada ao lucro ilícito auferido pelas denunciadas, que evitaram o alto custo da destinação final adequada dos resíduos”, destacou o procurador.
O MPF recusou proposta da CSN de celebrar um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), por entender que “a conduta é uma afronta pública que demanda persecução penal plena”.
“As pilhas de escória são uma presença física agressiva e constante na paisagem de Volta Redonda”, disse Jairo. “Esta materialidade do dano gera um grande clamor popular, exigindo dos órgãos da Justiça uma resposta institucional visível e exemplar que um acordo não pode oferecer.”
De acordo com o MPF, o crime de poluição é formal e de perigo abstrato, ou seja, não depende de comprovação de dano efetivo à saúde humana, bastando o potencial risco ao meio ambiente. A denúncia também cita o artigo 48 da Lei nº 9.605/98, que trata do impedimento à regeneração natural da flora.
A Procuradoria reforça que a CSN vem sendo autuada há décadas por órgãos ambientais, sem adotar medidas eficazes de recuperação da área. “A empresa age com plena consciência da ilicitude, optando reiteradamente por não investir na eliminação dos passivos ambientais”, registra o texto.
O MPF pede que, além da indenização de R$ 430 milhões, a Justiça determine medidas de reparação integral da área degradada, o isolamento das pilhas de escória e a implementação de um plano de monitoramento permanente da qualidade da água e do solo. Contexto histórico e social
A siderúrgica, fundada em 1941 e privatizada em 1993, é um dos principais empregadores do Sul Fluminense, mas também acumula histórico de infrações ambientais. Em 2019, a empresa foi multada pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) por lançamento irregular de efluentes industriais no Rio Paraíba.
A escória, subproduto da produção de aço, contém elementos como cálcio, magnésio e ferro, e sua destinação inadequada pode elevar o pH da água, causar mortandade de peixes e comprometer a fertilidade do solo.
O impacto do passivo ambiental é visível não apenas nas margens do rio, mas também na vida cotidiana dos moradores de Volta Redonda. “O cheiro é forte, e a poeira preta entra nas casas. A gente convive com isso há anos”, relatou uma moradora do bairro Volta Grande, área próxima às pilhas de rejeitos.
Para o MPF, a reparação deve ir além do aspecto material. “O dano moral coletivo é evidente, porque o meio ambiente equilibrado é um direito difuso, essencial à qualidade de vida de toda a coletividade”, diz a denúncia.
Responsabilização e próximos passos
A ação criminal foi distribuída à 2ª Vara Federal de Volta Redonda, sob responsabilidade da juíza Marina de Andrade Ferreira. Se condenada, a CSN pode ser obrigada a adotar medidas de recuperação ambiental, pagar as indenizações requeridas e responder por sanções penais, como restrições de atividade e interdição parcial das operações.
O MPF reiterou que “a responsabilização penal das pessoas jurídicas é indispensável para frear a impunidade ambiental no país”, destacando que o caso pode se tornar um marco na aplicação do Direito Penal Ambiental no setor industrial brasileiro.
“Grandes empresas não podem continuar tratando a natureza como extensão de seus pátios industriais”, concluiu o procurador.
Outro lado
Procurada pela Folha do Aço, a CSN não havia se manifestado até a publicação desta reportagem. O espaço permanece aberto para eventuais esclarecimentos ou posicionamentos oficiais da empresa.
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