Há um ditado popular muito conhecido que diz: “O tempo é o senhor da razão”. Em Volta Redonda, essa afirmação se mostra verdadeira quando se trata da gestão das finanças municipais. Oito anos e nove meses depois da troca de farpas com seu antecessor, Samuca Silva, e após ter retornado ao cargo para cumprir dois mandatos consecutivos (2021-2024 e 2025-2028), a crise financeira volta a assombrar o Palácio 17 de Julho.
“Mês passado, eu tive R$ 38 milhões no vermelho”, revelou Neto na quinta-feira (dia 9), em meio à polêmica do corte de 25% do salário dos médicos da Atenção Primária.
Com o caixa municipal pressionado por gastos descontrolados e falta de planejamento, o prefeito aposta na abertura, no próximo dia 20, de mais um Programa de Recuperação Fiscal (Refis), conduzido pela Secretaria Municipal de Fazenda (SMF) e pela Procuradoria Geral do Município (PGM). A mensagem com o projeto de lei já foi encaminhada à Câmara de Vereadores, que não deve fazer resistência para aprovar. Neto informou que está negociando com a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e outras empresas para receber impostos em atraso.
“Nós queremos também manter um bom relacionamento com todo mundo”, destacou, para em seguida ser mais realista: “Gente, o município de Volta Redonda atravessa um momento ruim. Não quero que aconteça comigo o que aconteceu com o ex-prefeito [Samuca Silva], de ficar três meses sem pagar o salário do funcionalismo”.
“A preocupação, se eu parar de pagar o salário do funcionalismo, por exemplo, ninguém vai falar que o governo não pagou. Todo mundo vai falar que o Neto não pagou. Isso não vai acontecer nunca. Eu tenho que ser precavido, e eu estou sendo”, pontuou, na quinta-feira.
Guerra de números
O histórico financeiro do município de Volta Redonda tem sido palco de intensos embates políticos e administrativos desde janeiro de 2017, quando Samuca, recém-empossado, afirmou durante entrevista coletiva que encontrou a Prefeitura com R$ 27 milhões em caixa e dívidas e restos a pagar de R$ 805 milhões. À época, ele decidiu contingenciar 30% do orçamento municipal, citando déficits acumulados.
“Desde 2009, só em dois anos, 2012 e 2016, a prefeitura teve superávit. Aliás, ao contrário de outros municípios, o problema de Volta Redonda não é a receita. São gastos elevados”, disse Samuca naquela oportunidade. Neto, por sua vez, contestou os números apresentados: “A dívida não é essa de jeito nenhum. Não deixei R$ 800 milhões para ele pagar”, rebateu.
Segundo Samuca, havia R$ 702.756.000 em dívidas e mais de R$ 102.600.000 em restos a pagar, totalizando R$ 805.356.000. Os números incluíam débitos da administração indireta, como autarquias e fundações. Neto explicou que, além de discordar desses dados, eles misturavam dívidas de governos anteriores, renegociadas em prazos de até 20 anos: “Só para se ter uma ideia, R$ 446 milhões são contas a pagar em longo prazo, vindo de muitos governos antes mesmo do meu. Estão parceladas e serão quitadas ao longo de muitos anos”.
Sobre os restos a pagar, Neto explicou que sua equipe confundiu empenho com dívida: “Quando contratamos serviços continuados, como manutenção de escolas e coleta de lixo, são empenhados valores equivalentes ao total do contrato, mas as parcelas só se tornam devidas depois que os serviços são prestados. Está havendo uma confusão”.
Samuca ainda afirmou ter recebido uma carta da Light, informando que cortaria o fornecimento de energia da Prefeitura em quinze dias por causa de uma dívida de R$ 3,126 milhões. Neto garantiu que deixou dinheiro em caixa para o pagamento dessa dívida.
Falta de planejamento
Exemplos recentes de falta de planejamento não faltam. Um deles é a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Santo Agostinho, cuja reforma complementar levou dois anos e sucessivos atrasos, consumindo R$ 3,7 milhões, 52% acima da previsão inicial de R$ 2,45 milhões, incluindo aditivos contratuais e a contratação de uma segunda empreiteira. A unidade foi reinaugurada em agosto.
Em contrapartida, a reabertura do Cais Conforto, fechado desde junho de 2022, ainda está indefinida. Segundo Neto, o custo mensal apenas com funcionários seria de aproximadamente R$ 600 mil, totalizando R$ 8,1 milhões ao ano, incluindo férias e 13º salário. Enquanto isso, usuários dependentes da unidade enfrentam filas e precisam se deslocar para outros locais. Com a crise financeira, a reabertura da unidade de saúde intermediária integrada à Rede de Urgência/Emergência de Volta Redonda deve ficar para o ano que vem.
Paralelamente, a Prefeitura segue investindo em obras não essenciais, como a modernização da sede da Guarda Municipal de Volta Redonda (GMVR), iniciada no mês passado na Ilha São João, com contrato superior a R$ 3 milhões e prazo de 18 meses. Também estão em andamento a construção da nova sede da Secretaria da Pessoa com Deficiência (SMPD), no Jardim Paraíba, orçada em R$ 2,5 milhões, com atrasos significativos, e a reforma da sede da Secretaria Municipal de Proteção e Defesa Animal, em imóvel na antiga Rua 4, no bairro Conforto, estimada em R$ 115 mil.
A situação evidencia o delicado equilíbrio que Neto precisa manter entre contenção de gastos e execução de obras. No último dia 24 de setembro, o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) emitiu parecer prévio pela reprovação da prestação de contas de governo do município de Volta Redonda referente ao exercício de 2024. Essa é a quarta vez, dentro do atual mandato, que as contas do prefeito Neto recebem parecer contrário à aprovação.
As contas analisadas correspondem ao período de 1º de janeiro a 6 de setembro e de 7 de outubro a 31 de dezembro de 2024, sob responsabilidade de Neto, e ao período de 7 de setembro a 6 de outubro do mesmo ano, quando a Prefeitura foi chefiada interinamente por Sebastião Faria (PL), vice-prefeito.
De acordo com a Secretaria-Geral de Controle Externo (SGE), foram identificadas irregularidades e impropriedades, além da necessidade de determinações, recomendações e comunicações. O processo também prevê o envio de ofícios ao Ministério Público e ao Ministério da Saúde.
Na decisão monocrática, o relator do processo, conselheiro Rodrigo Melo do Nascimento, determinou a comunicação aos responsáveis, que tiveram o prazo de dez dias para apresentarem manifestação por escrito. O prazo encerrou no início desta semana. Com o parecer contrário do TCE-RJ, caberá à Câmara Municipal de Volta Redonda dar a palavra final sobre a aprovação ou rejeição das contas.
Entre as irregularidades apontadas estão: ausência dos demonstrativos contábeis consolidados, impossibilitando a análise dos resultados apresentados pelo Município; realização de despesas sem dotação orçamentária suficiente, caracterizando despesas sem autorização legislativa; não atingimento do equilíbrio financeiro no exercício; desrespeito ao limite de despesas com pessoal previsto na Lei Complementar nº 101/00 e na Lei Complementar Federal nº 173/2020; descumprimento do artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal; impossibilidade de apuração do cumprimento do limite mínimo de recursos do Fundeb na remuneração dos profissionais de educação básica; impossibilidade de apuração da aplicação mínima de 90% dos recursos do Fundeb, entre outros.