A Justiça brasileira e todos os seus processos são cobertos de burocracias e formalidades. Juízes, promotores, defensores públicos e advogados utilizam-se de um vocabulário rebuscado e bastante formal em todos os seus trabalhos. Palavras, nem sempre são compreendidas por camadas menos escolarizadas da população, que muitas vezes buscam os meios judiciais para obter seus direitos, seja na esfera política, civil ou criminal.

Apesar da rigidez dos processos judiciais, uma sentença proferida em Volta Redonda, no último dia 9, virou notícia por sua abordagem que evocava uma “vida mais leve”. O juiz substituto Thiago Rabelo da Costa, da 2ª Vara do Trabalho, pediu vênia do linguajar jurídico e embasou uma sentença através de rimas.

Na causa em questão, um vendedor pleiteava, por falta de registro trabalhista, o pagamento de aviso prévio, 13º salário, férias vencidas e proporcionais, FGTS, além de indenização de 40% e multa.

“Talvez a vida precise ser levada um pouco mais leve, como se fosse rimada. Talvez uma sentença diferente possa trazer alguma alegria, talvez… Então, peço vênia do linguajar jurídico. Peço vênia para lembrar um pouco dos meus, lá do meu sertão cearense. Segue a história desse processo, que a fundamentação vai contada em verso”, afirmou o magistrado.

Por meio de versos, o magistrado fundamentou sua decisão e contou a história do apelante, o vendedor Wagner Willimis, que acionou seu ex-patrão na Justiça, a fim de receber as verbas trabalhistas referentes ao aviso prévio, 13º salário de 2019 e 2020; férias vencidas e proporcionais, acrescidas de 1/3, FGTS e indenização de 40%.

O patrão de Wagner, identificado nas rimas apenas como Francisco, deverá assinar ainda a carteira de trabalho dele no período compreendido entre os dias 03/01/2019 e 17/09/2020, com remuneração de R$ 3.000. Neste tópico também está incluído o valor total da causa, avaliada em pouco mais de R$ 57 mil.

“O meu nome é Wagner Willimis, vim lá da Paraíba, trouxe na mala apenas a vontade porque cansei das terras de riba, deixei mulher e filho pelas bandas do sertão depois mandei buscar com ajuda do patrão. Trabalhei mais de um ano e meio e não tive anotação, vim buscar meus direitos e por isso peço permissão”, afirma trecho da fundamentação do magistrado.

Além da história de Wagner, o juiz, também utilizando rimas, contou a versão do patrão que, através de seus advogados, alegou que o apelante não era funcionário, pois não cumpria horário. O argumento, contudo, não convenceu o magistrado.

“O Seu Élcio falou que ‘vosmecê’ trabalha todo dia o patrão vai buscar e deixar com as mercadorias, se o cliente não paga, ele chega junto e cobra, numa conversinha miúda, a conta da sesmaria. Até mesmo seu Gilmar que ficou todo enrolado para falar, confirmou seu Élcio cobrador e ‘vosmecê’ vendedor de fato, meu amigo de sertão é injusta sua condição já que ‘vosmecê’ tanto trabalha a mando do patrão. Perai, ‘Dotô’, tem mais uma coisa: Seu Francisco descontava quando os outros não pagava a suas mercadorias. Nesse caso, meu amigo faltou provar. O direito não lhe ajuda pois tinha que demonstrar. Assim, vou terminando esses versos para ‘vosmecê’ não falar a Justiça, pode até não saber rimar mas não falha quando é para julgar”, finaliza o juiz substituto da 2ª Vara do Trabalho.

 Data Venia

Utilizada pelo juiz Thiago Rabelo da Costa, a Data Venia é uma expressão latina que significa “dada a licença” ou “dada a permissão”, sendo considerada uma maneira educada para que uma frase de discordância seja iniciada. Ela sempre é direcionada em relação ao que o interlocutor disse ou escreveu.

No caso da sentença de Volta Redonda, a discordância diz respeito à forma com que ela foi embasada, já que rimas não são uma forma juridicamente convencional de se fundamentar uma causa. A expressão é utilizada constantemente em diversos contextos jurídicos, sendo eles: artigos acadêmicos, julgamentos, e até mesmo em debates realizados entre estudantes de direito, advogados, promotores, juízes, desembargadores e todo e qualquer profissional de Direito.

Também no “dicionário jurídico”, para que o profissional da área consiga apresentar opiniões divergentes acerca daquelas que já foram expostas, é comum introduzir a expressão cordial, de modo a não parecer arrogante ou autoritário perante o assunto.

Foto: Reprodução da internet

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