Faltando menos de um mês para o início da Copa do Mundo do Catar, o álbum de figurinhas da competição já se tornou um verdadeiro vício, unindo crianças, jovens, adultos e até mesmo idosos em busca de um mesmo objetivo: completar suas coleções. Com os ânimos exaltados pela corrida presidencial, este tem sido um dos poucos momentos em que a democracia segue respeitada.
Sendo assim, nas escolas, praças, nos shoppings e em diversos espaços, seja ele público ou privado, é possível encontrar grupos de trocas com colecionadores das mais diferentes faixas etárias. Detalhe: a diferença de idade também não é problema diante da negociata.
A primeira edição do álbum lançado pela Panini foi há mais de 50 anos. E, a cada Copa, a publicação é aprimorada a cada página, com todas as seleções, escudos, estádios e craques do futebol.
Hoje, até mesmo o mundo digital foi dominado pela ‘jogada’. Há versão online do álbum, aplicativos para organização das figuras e grupos de colecionadores para possibilitar as trocas, uma verdadeira corrida para preencher o mais recente álbum lançado em parceria com o Estadão. A procura pelos cromos e figurinhas raras fazem a brincadeira ainda mais emocionante e, além disso, é grande a possibilidade de, durante as trocas, se fazer novas amizades.
O engenheiro Rafael Gonçalves, de 45 anos, só precisava de mais 17 figurinhas (até o fechamento desta matéria) para completar o álbum e mais alguns cromos para conquistar a coleção de raridades. O colecionador estima que gastou quase R$ 2 mil para chegar aonde chegou.
Fora o gasto, Rafael contou também com a ajuda de colegas com o mesmo objetivo, como o estudante Théo, de 10 anos. A amizade recém-criada entre os dois possibilitou o compartilhamento de mais de 70 figurinhas entre a dupla. Um adulto e uma criança que construíram não apenas uma parceria no negócio como também um vínculo de carinho.
“Quando vi o Théo ali no shopping, sentado com uma pilha enorme de figurinhas, pensei: esse carinha é gente boa e nós podemos nos ajudar. Logo me sentei no chão com ele e começamos a verificar o que o outro tinha que pudesse favorecer. Trocamos 76 figuras e nossos telefones para negociar mais vezes”, conta o engenheiro.
Bancas em alta
Quem tem faturado com a temporada do álbum da Copa do Mundo são os jornaleiros. A disputa para conquistar todas as 670 figurinhas movimenta as bancas e faz o dinheiro circular nesses estabelecimentos. Cabe lembrar que o pacote com cinco figurinhas custa R$ 4, contabilizando um gasto mínimo de R$ 536, caso o colecionador sortudo não encontre nenhuma repetida.
Miguel Arcanjo, o Miguelzinho, é dono de uma banca de jornal na Praça da ETPC, na Vila Santa Cecília, afirma que o setor aguarda sempre com ansiedade a Copa do Mundo. “Há muitas crianças já veteranas, que estão em sua terceira ou quarta Copa, e há também os novatos também, que estão brincando pela primeira vez. É legal ver a alegria e o encantamento da criançada ao ir com os pais ou avós para comprar as figurinhas”, observa.
Administrando banca de jornais há mais de três décadas, Miguelzinho não esconde a satisfação em ver os clientes conquistarem o objetivo, ou seja, fechar todas as páginas com as figurinhas. “Eu, como jornaleiro, fico muito feliz em ver esse entusiasmo, ainda mais quando a criança retorna à minha banca dizendo que tirou uma lendária ou outra que queria muito. Há muita violência no mundo hoje, muita inveja, e essa troca é importante por promover a união entre as crianças e os pais”, ressalta.
Para o jornaleiro Osiel Antônio Martins, o álbum da Copa do Mundo trouxe bons números ao setor e representou uma verdadeira guinada na venda de figurinhas. “No começo foi uma explosão e estávamos vendendo uma média de duas mil figurinhas por dia. Foi excelente”, diz o dono da banca localizada na Avenida Lucas Evangelista, no Aterrado.
Mercado paralelo
Quem também vem lucrando com a febre são os vendedores do chamado ‘mercado paralelo’. Não é difícil achar esses “comerciantes” vendendo figurinhas conforme escolha do cliente, sem que este precise contar com a sorte.
“Eu monto meu stand de vendas, levo toda a estrutura, faço sorteios e crio um evento em diversos lugares na região”, detalha Francilean da Silva Conceição, que coleciona desde 1986 e vende figurinhas há 20 anos. “Esse trabalho é feito desde 2002 da seguinte forma: a pessoa chega com uma lista de faltantes e eu faço a venda exatamente daquelas figurinhas de forma instantânea, sem taxa de entrega e sem prazo de espera”.
Francilean conta ainda que, em 1990, chegou a esperar três meses para encontrar uma figurinha que faltava para que completasse seu álbum. “Então esse trabalho se torna eficiente nesse sentido, fazendo com que as pessoas completem suas coleções de maneira muito mais rápida”, ressalta.
Pontos de troca
Dois dos locais mais comuns de trocas em Volta Redonda são os shoppings Park Sul e Sider, que recebem, especialmente nos fins de semana, centenas de pessoas para conversar, jogar o famoso ‘bafo’ e trocar figurinhas. Esses centros comerciais ‘abraçaram’ a ideia de acolher os colecionadores, proporcionando a eles um espaço onde a parceria e a diversão fazem parte do negócio.
De acordo com Rodrigo Mattos, coordenador de marketing do Park Sul, a troca de figurinhas é uma ‘febre’ e o shopping entendeu que não poderia ficar de fora. Aberto ao público diariamente, o ponto de trocas fica próximo ao Acesso B.
“A gente vê pessoas lá trocando diariamente, em diferentes horas do dia, mas é certo que aos finais de semana o número de participantes aumenta exponencialmente”, diz Rodrigo, acrescentando que, nessa reta final, a grande maioria do que se compra nas lojas tende a ser repetidas. “Por isso trocar é tão importante: além de ser uma forma de diminuir os gastos comprando novos pacotes que só vão aumentar o número de repetidas, é uma forma de socialização. É muito bacana ver crianças e até adultos que não se conhecem, mas chegam ao nosso ponto de troca e interagem”.
Um diferencial do Park Sul é que, com o intuito de ajudar as pessoas a encontrarem as faltantes e facilitar a comunicação entre os colecionadores, o shopping criou um grupo de WhatsApp com acesso fácil para que as pessoas troquem mensagens e digam o que precisam. “Para entrar no grupo o cliente só precisa ler o QR-Code em que se encontra no totem no espaço de troca ou clicar no link que está na Bio do nosso Instagram”.
Os apaixonados por futebol também ganharam um espaço exclusivo no 4º piso do Sider Shopping. “O espaço tem acesso gratuito, fica aberto todos os dias no horário de funcionamento do empreendimento e foi elaborado para crianças e adultos reunirem seus amigos e completarem seus álbuns. Todos os finais de semana muita gente aproveita para completar o álbum de figurinhas, pais e filhos, amigos e desconhecidos se encontram com o mesmo objetivo: conquistar todos os cromos”, afirmou Patrícia Macedo, coordenadora de marketing do shopping.
Vale lembrar que o governo municipal também criou um espaço para troca de figurinhas da Copa 2022. Os colecionadores podem usar uma espécie de arena montada embaixo da Biblioteca Municipal Raul de Leoni, na Vila. Com acesso gratuito, o ponto de encontro entre colecionadores fica disponível diariamente, das 8h30min às 17h.
‘Febre’ pode ajudar a desenvolver habilidades sociais
Falar sobre a ansiedade de completar um álbum e a frustração de não conseguir a tão esperada figurinha também é necessário diante do hábito de colecionar. Segundo a psicóloga Tamires Toledo, a prática necessita do contato interpessoal e, sendo assim, acaba por desenvolver, principalmente nas crianças, as habilidades sociais.
“É uma ótima ferramenta para desenvolver a organização e estimular a paciência, uma vez que completar álbum não é um processo rápido. Também ajuda a conquistar amizades e até mesmo os adultos têm a oportunidade de estreitar laços com as crianças. Ou seja, a troca de figurinhas é uma grande oportunidade de interação”, afirma.
Para a psicóloga, é importante também aprender a lidar com a frustração. “Nem sempre a criança vai ter a figurinha desejada e conseguir completar o álbum. Isso a ensina a lidar com esse sentimento que, ao longo da vida, vai acontecer em diversas áreas. É uma forma de a criança começar a gerenciar suas próprias emoções e lidar com elas da melhor forma. Nesse ponto, o papel dos pais é se dispor a escutar o filho, animá-lo e ajudá-lo a desenvolver a plasticidade em lidar com futuras situações de insucesso”, completa Tamires.