Em reunião realizada na manhã de quarta-feira (dia 8), a vereadora Gisele Klingler (PSB) foi alvo de ofensas e humilhações por parte do prefeito (PP), enquanto debatiam a redução de 25% nos salários dos médicos da Atenção Básica. O episódio, registrado em vídeo, rapidamente viralizou e gerou ampla repercussão pública.
Em entrevista exclusiva à Folha do Aço, na manhã de quinta-feira (dia 10), Gisele detalhou como a situação saiu do controle, classificou o episódio como violência política de gênero e explicou as medidas que pretende adotar para responsabilizar o prefeito.
Folha do Aço: Vereadora, o que exatamente aconteceu durante a reunião com o prefeito Neto e em que momento a situação saiu do controle?
Vereadora Gisele – O que aconteceu foi o seguinte: o prefeito já tinha ouvido alguns outros vereadores e não tinha ficado satisfeito com as propostas que estavam sendo apresentadas. Mas não desrespeitou ninguém. Em determinado momento, eu pedi a palavra e disse a ele que cortar o salário dos médicos seria prejudicial para a população – tudo o que aparece no vídeo. Também comentei que havia registros no Portal da Transparência mostrando pagamentos que variavam entre 30 e 40 mil reais. Ele respondeu que desconhecia essa informação, me agradeceu e disse que iria verificar. Em seguida, ligou para o [Cláudio dos Santos] Franco [secretário municipal de Administração] e pediu o nome das pessoas. O Franco comentou: “Dois pagamentos para as mesmas pessoas?”, e alguém disse: “Ah, não, esse é o pessoal do Carlinho”. Eu, sinceramente, não sei quem é o Carlinho. O prefeito, então, afirmou que se tratava de pagamento de salário, o que, em nenhum momento, eu havia dito. Quando citei os nomes, expliquei que acreditava se tratar de um buffet. Ele respondeu: “Tá vendo? Você sabe que é prestação de serviço, é um buffet! Você é mentirosa, está mentindo para as pessoas acreditarem”. Eu disse: “Não, prefeito, eu não estou mentindo. O que estou dizendo é que essa informação consta no Portal da Transparência. Então, o seu portal está errado?”. Foi nesse momento que ele começou a me ofender, mandou eu “plantar batata”, disse coisas ofensivas e me tratou da forma que todo mundo viu circular nos vídeos. Eu afirmei que não ficaria ali, que ele se comportava como um imperador, achando que mandava em tudo. Mais tarde, ele pediu desculpas, mas eu disse que não aceitaria, porque ele me desrespeitou como mulher e como parlamentar.
Como a senhora se sentiu naquele momento, sendo alvo de ofensas verbais dentro da sede do governo municipal?
No momento daquela agressão verbal, eu me senti um pouco acuada. Eu não esperava uma reação daquela, até porque, em momento algum, desrespeitei o prefeito, isso está gravado. Em nenhum momento levantei o tom de voz ou faltei com respeito. Comecei minha fala agradecendo a ele pela oportunidade de estar ali, mesmo não sendo da base de apoio, deixando claro que a nossa intenção era buscar uma solução para ajudar o município. Quando veio a agressão, me senti fragilizada e acuada. Fiquei muito abalada, sem acreditar que aquilo estava realmente acontecendo daquela forma, diante do descontrole do prefeito.
A senhora acredita que a reação do prefeito teve relação direta com o tema da reunião, o corte salarial dos médicos, ou com algo pessoal contra sua atuação?
Eu quero muito acreditar que essa reação tenha sido por conta do que eu apresentei, a questão dos RPAs e o corte dos médicos. Não quero, de forma alguma, acreditar que tenha sido algo pessoal, até porque não temos uma relação pessoal. Tenho o máximo respeito por ele, pela pessoa que é e por tudo o que já fez pela nossa cidade. Mas, infelizmente, ontem [quarta-feira], todo o respeito que eu tinha foi jogado por terra. Ele não é uma pessoa que eu gostaria de ter próxima a mim, principalmente por esse comportamento machista, misógino e desrespeitoso.
Havia outros vereadores presentes. Como foi a reação deles diante do episódio?
Sim, havia outros vereadores presentes. Lembro do Neném, do Edson [Quinto] e do Luciano Mineirinho tentando apaziguar a situação. O Renan [Cury] também fez uma abordagem para diminuir o clima, quando o prefeito me acusou de estar incitando greve, e o Renan esclareceu que isso não aconteceu. Foi tudo muito dinâmico, então seria infeliz da minha parte falar sobre a reação de todos os vereadores, porque não me recordo com precisão. Mas, depois que saí dali, todos me acolheram e se solidarizaram comigo.
A senhora classificou o ocorrido como um caso de violência política de gênero. O que caracteriza esse tipo de violência, na sua avaliação, dentro da política municipal?
Pela forma como ele conduziu a reunião, considerando que outros vereadores homens se posicionaram, apresentaram propostas e ele não aceitou, e pela maneira agressiva e desrespeitosa com que me tratou, que está registrada nos vídeos, já há uma evidência clara de intimidação. Foi uma tentativa de me desestabilizar, de me desacreditar e de fazer com que eu duvidasse do que estava falando. Quando ele afirma que eu disse algo que não saiu da minha boca, isso constitui uma tentativa clara de cerceamento do meu direito de exercer minha vereança.
Esse foi um caso isolado ou a senhora já enfrentou outros episódios de desrespeito ou tentativa de silenciamento por ser mulher na política?
Eu já tinha passado por outro tipo de violência: de ser desacreditada, de ter meu trabalho desmerecido enquanto mulher e vereadora. Naquela ocasião, não registrei, mas hoje decidi que não vou mais me calar diante de qualquer tipo de violência ou ameaça. Preciso me posicionar como mulher e como parlamentar, para que ninguém tenha que passar pelo que eu passei.
Quais medidas a senhora pretende adotar em relação a esse caso? Vai registrar boletim de ocorrência ou acionar os órgãos competentes?
Já registrei ocorrência na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) e vou encaminhar o caso ao Tribunal de Justiça. Não vou deixar que isso fique sem resposta. Não posso normalizar ou aceitar o que aconteceu ontem sem registrar um boletim. Seria desacreditar tudo o que venho lutando ao longo do meu mandato e da minha vida, para que mulheres façam denúncias, e, quando eu sou vítima de violência, me calar. Isso não condiz comigo.
A senhora acredita que o comportamento do prefeito reforça uma cultura de misoginia e autoritarismo no poder público local?
Infelizmente, o comportamento dele reflete misoginia e autoritarismo. A forma como age, não aceitar diálogos e não conseguir conversar, é muito triste. E, principalmente quando esse comportamento se dirige a uma mulher vereadora na nossa cidade, representa um reforço claro de misoginia, machismo, autoritarismo e, acima de tudo, muito desrespeito.
O vídeo do episódio teve grande repercussão nas redes sociais. Como a senhora recebeu o apoio de cidadãos e colegas de mandato?
Quando saí da reunião, fui para o Hinja e tomei conhecimento de que o vídeo havia sido transmitido online, ao vivo, e já estava em algumas páginas. O primeiro apoio que recebi foi do vereador Raoni [Ferreira], líder do meu partido, que me encontrou. Logo após o fim da reunião, outros vereadores me ligaram e me acolheram. O presidente Edson [Quinto] me recebeu na Câmara para se solidarizar comigo. Meus colegas de mandato me apoiaram de forma muito respeitosa, repudiando todo aquele episódio.
A postura da vereadora Carla Duarte, que aparece rindo durante o episódio, também foi criticada. Qual sua opinião sobre isso?
A vereadora conversou comigo assim que cheguei à Câmara. Ela me disse que aquela forma de reação foi devido ao nervosismo do momento, que não debochou, não tripudiou e se retratou comigo. Portanto, entendo e compreendo o que aconteceu e a forma como ela reagiu.
A reunião originalmente tratava do corte de 25% nos salários dos médicos da Atenção Básica. Qual era sua proposta para resolver o impasse?
Realmente, a reunião originalmente era para tratar do corte de 25% dos salários. Minha proposta era que reduzíssemos alguns gastos, especialmente alguns pagamentos de RPA que estão bem altos, em torno de 30 a 40 mil reais. A ideia era entender a importância dessas pessoas e dos serviços prestados, para que fosse possível minimizar o impacto e evitar que a população final sofresse com a redução do salário dos médicos, ficando sem atendimento nos postos.
A senhora mencionou que há contratos de RPA com valores superiores a R$ 40 mil. A Câmara pretende investigar esses contratos?
Eu vou apresentar um requerimento de informações sobre esses RPA’s. Quero entender a natureza e a importância dessas pessoas para o funcionamento da Prefeitura. Há gente recebendo desde o início do ano, ou pouco mais de um ano, valores em torno de 30 a 40 mil reais, e isso precisa ser investigado. No momento em que o município enfrenta uma crise financeira, precisamos saber onde cortar gastos de forma responsável.
Qual o impacto dessa redução salarial, se mantida, para o atendimento nas Unidades de Saúde e para a população?
O impacto é direto no atendimento. Podemos perder médicos da Atenção Básica, que podem sair com essa redução, e a população acabar sendo prejudicada. Tenho muita preocupação com os moradores dos bairros mais afastados da cidade, como São Sebastião, Roma, Santo Agostinho, Açude e Belmonte. Acredito que uma economia de R$ 430 mil por mês não seja suficiente para justificar o corte.
Após o episódio, a senhora acredita que o diálogo com o Executivo ficará comprometido?
Não, da minha parte, o diálogo não será prejudicado, porque ele sempre será em prol da população, buscando melhorias para o povo. Não tenho relação pessoal com o prefeito; é uma relação de parlamentar com o Executivo. Então, sempre que for necessário buscar melhorias para a cidade e precisar dialogar, eu vou dialogar. Reforço que meu compromisso é sempre com a população.
Depois do ocorrido, qual será sua postura em relação ao prefeito e à condução das pautas da Câmara?
A minha postura vai continuar sendo a mesma. O que o prefeito apresentar e que for bom para a Prefeitura, eu vou continuar apoiando e votando. Continuarei fazendo fiscalizações, visitando os locais e verificando a qualidade dos serviços prestados, porque a população paga por todos esses serviços. Se o prefeito enviar algo que seja bom para a população, eu vou votar a favor. Sempre que houver oportunidade de buscar recursos para Volta Redonda, eu vou buscar. A minha relação como parlamentar não muda. O que for bom para a população, a Prefeitura pode contar com meu voto. E aquilo que não for, discutiremos; manterei meu posicionamento, porque não posso prejudicar a população por um episódio de agressão por parte do Executivo.
O episódio a desanima ou reforça sua disposição em continuar fiscalizando e denunciando abusos de poder?
No primeiro momento, desanimou bastante, eu saí muito abalada da reunião. Mas depois, colocamos a cabeça no lugar. Vou seguir trabalhando, fiscalizando, denunciando tudo o que precisa ser denunciado e, quando for o caso, parabenizando o que merece reconhecimento.
Que mensagem a senhora gostaria de deixar para as mulheres que acompanham seu trabalho e se sentiram representadas pela sua reação?
Eu continuo reforçando a todas as mulheres que, ao menor sinal de violência, não se calem, denunciem. Eu sei que denunciar é difícil e eu passei por isso. Chegar até a Deam registrar uma denúncia é muito complicado, mas não deixem de denunciar. Se precisarem, contem comigo. Agradeço todo o carinho que venho recebendo e a acolhida da população de Volta Redonda me faz ter vontade ainda mais de trabalhar pelo povo.