O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria na quinta-feira (dia 27) para anular a decisão que homologou a delação premiada do ex-governador Sérgio Cabral. A sessão de julgamento aconteceu em plenário virtual. O voto decisivo foi do presidente da Corte, Luiz Fux.
A delação de Cabral havia sido homologada pelo ministro Edson Fachin no ano passado. O acordo, porém, foi revisitado após o ex-governador implicar o ministro Dias Toffoli. Acusou o magistrado de receber R$ 4 milhões para dar votos favoráveis em ações do atual prefeito de Volta Redonda, Neto (DEM), e da ex-prefeita de Bom Jesus de Itabapoana, Branca Motta, em 2014, que tramitavam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O ministro nega as acusações.
A Procuradoria Geral da República (PGR) é contra a homologação do acordo. Diz que Cabral omitiu informações importantes quando tentou negociar um acordo com o MPF (Ministério Público Federal) e, após ter a proposta rejeitada, procurou a PF para relatar os mesmos fatos.
A discussão realizada pelo STF nesse julgamento seguiu uma questão preliminar levantada por Edson Fachin, relator do caso. O ministro propôs que a Corte reavaliasse o entendimento que permitiu à PF firmar delações sem a anuência do MPF, como foi no caso de Cabral. A prerrogativa foi validada em 2018.
“Não é constitucionalmente admissível que a autoridade policial celebre acordo de colaboração previamente rejeitado pelo Ministério Público. Assim não fosse, ao fim e ao cabo, a autoridade policial estaria sendo colocada na condição de revisora do agir ministerial, em evidente e indevida emulação dos papéis constitucionalmente estabelecidos”, escreveu.
Apesar da maioria, a decisão não cassa a possibilidade da PF firmar acordos. Alguns ministros, como Gilmar e Lewandowski, frisaram que seus votos eram apenas relacionados ao caso específico de Cabral. Ou seja, não buscaram compor uma nova tese sobre os limites da atuação da PF.
Em seu voto, Gilmar disse que a delação de Cabral “apresentou inúmeros problemas desde o início”. Argumentou que acordos fechados pela PF devem contar com a concordância do MPF. “Os episódios deflagrados nesse processo acendem ainda uma preocupação institucional da mais absoluta gravidade. Chama a atenção o fato de delegados de polícia poderem endereçar representações diretas aos Ministros do STF”, escreveu.
Alexandre de Moraes, por sua vez, relembrou que Cabral tentou fechar a delação com o MPF, mas as negociações fracassaram “diante das mentiras e omissões implementadas de forma seletiva” pelo ex-governador. Após a rejeição dos procuradores, Cabral procurou a PF.
“O interessado, portanto, procurou, pela via transversa, garantir os benefícios legais que a lei lhe garante, mesmo, no passado, em situação praticamente idêntica, tendo faltado com a verdade e omitido dados e fatos de relevante importância para o órgão Ministerial”, escreveu Moraes.
Lewandowski disse que o MPF assentou “de forma peremptória” que Cabral omitiu fatos em sua delação, inclusive o paradeiro de “vultosos recursos supostamente ocultados no exterior”. “A simples chancela homologatória do juiz não torna constitucional o que é inconstitucional, legal o que é ilegal, justo o que é injusto”, afirmou.
Corrente derrotada
Os ministros Roberto Barroso, Marco Aurélio Mello e as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia, que votaram na quinta-feira, ficaram derrotados neste julgamento. Afirmaram que não há vícios que impediriam a homologação do acordo de Cabral.
Em seu voto, Rosa disse ser contra reavaliar o entendimento do STF, que em 2018 permitiu à PF firmar delações. Disse que não vislumbrou vícios que impeçam a homologação do acordo de Cabral. “A essência da delação premiada não reside nas qualidades pessoais do colaborador, e sim no pragmatismo, no interesse da persecução penal. É a perspectiva de reduzir os danos causados pelos crimes que orientam a razão de ser do instituto”, escreveu a ministra.
Cármen Lúcia votou da mesma forma. Disse que “não se há cogitar de invalidade jurídica do acordo de colaboração firmada entre o delegado de polícia e o colaborador baseado apenas na manifestação desfavorável do Ministério Público”.
A ministra afirmou que embora a PGR (Procuradoria-Geral da República) tenha sido contra a homologação da delação de Cabral, a própria PGR pediu o compartilhamento do depoimento do ex-governador para auxiliar outra investigação em tramitação no STF.
“Por ter requerido o compartilhamento de termo de depoimento do colaborador para instrução de outra investigação, tem-se que a Procuradoria-Geral da República mesma reconhece, ao menos com relação a parte do acordo de colaboração premiada, a possibilidade de atingimento de alguns dos resultados exigidos”, disse Cármen.
O decano Marco Aurélio Mello também votou para manter a delação. Afirmou que não cabe avaliar o conteúdo do que foi relatado pelo ex-governador, e sim se os aspectos formais para a validação do acordo foram preenchidos. “No caso, as formalidades legais, consideradas a espontaneidade, a voluntariedade e a legalidade do ajuste, foram atendidas”, anotou.
Roberto Barroso, por sua vez, disse que a manutenção do acordo “não implica reconhecimento de que as declarações do colaborador sejam suficientes, isoladamente, para a abertura de investigações”.
Como votou cada ministro:
Anular a delação: Edson Fachin, Gilmar Mendes, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux e e Dias Tofolli.
Manter a delação: Luís Roberto Barroso, Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Cármen Lúcia.