A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e os Ministérios Públicos Federal (MPF) e do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) travam uma queda de braço em torno dos impactos ambientais causados pela Usina Presidente Vargas, em Volta Redonda. Alheias a esse embate, a Prefeitura e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) seguem inertes, sem apresentar ou cobrar medidas concretas para garantir à população o direito a uma melhor qualidade do ar.
Diante da omissão, especificamente, do Inea, que é um órgão do governo do estado, os Ministérios Públicos recomendaram que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) assuma a fiscalização da unidade siderúrgica. Em recomendação divulgada na terça-feira (dia 13), as instituições solicitam que o Ibama atue de forma supletiva, com base no § 3º do artigo 17 da Lei Complementar nº 140/2011, conforme interpretação firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI nº 4757. A norma autoriza a atuação de um ente federativo quando houver insuficiência na fiscalização ambiental por parte do órgão originalmente responsável.
O documento requer que o Ibama promova fiscalização independente da pendência de licenciamento ambiental estadual, verifique o cumprimento da legislação ambiental federal e adote medidas para sanar ou mitigar danos ambientais. Os MPs também sugerem que o histórico de reiterados descumprimentos de obrigações ambientais pela CSN seja considerado nas ações do Ibama.
A recomendação, assinada pelo procurador da República Jairo da Silva e pela promotora de Justiça Luana Cruz Cavalcanti de Albuquerque, estabelece que o Ibama deve aplicar as medidas administrativas cabíveis, como lavratura de autos e sanções, se identificar infrações. O prazo para o órgão ambiental se manifestar sobre o acatamento da recomendação é de 15 dias; a documentação das ações adotadas deve ser apresentada em até 90 dias.
Descumprimento de acordos
Os MPs destacam que a CSN opera há décadas sem licenciamento ambiental definitivo, mesmo após firmar sucessivos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) com o Inea. Em 2019, a Procuradoria Jurídica do próprio instituto desaconselhou a renovação dos acordos, indicando que a empresa não havia cumprido integralmente nenhuma das obrigações assumidas.
Ainda assim, o Inea celebrou o TAC nº 7/2018 e, em 2024, firmou novo termo aditivo, concedendo mais 27 meses para a CSN cumprir exigências ambientais – o que contrariou recomendação do MPF (nº 2/2024), que orientava o instituto a não prorrogar o acordo sem o devido licenciamento.
O Grupo de Apoio Técnico Especializado (Gate/MPRJ) apontou que as cláusulas do novo aditivo repetem obrigações já descumpridas anteriormente. Segundo o grupo, o Inea ignorou parecer interno que alertava para a inaplicabilidade da teoria da imprevisão e defendia sanções mais duras à empresa.
A recomendação também cita um levantamento feito em 2022 pelo MPF com 1.431 moradores de Volta Redonda, no qual mais de 80% relataram sofrer com doenças respiratórias crônicas. Atualmente, duas ações civis públicas tramitam na 1ª Vara Federal de Volta Redonda: uma sobre a ausência de licenciamento da CSN e outra pela responsabilização da empresa por danos ambientais e à saúde da população.
Histórico de descumprimentos
A ofensiva do MPF e do MPRJ contra a CSN não é nova. Desde 2015, há uma ação civil pública pedindo a suspensão das atividades da usina por operar sem licença desde 2012. A ação também cobra compensações por danos ambientais e morais coletivos.
Nota da CSN
Em nota, a CSN afirmou operar em conformidade com a legislação ambiental e destacou ter cumprido mais de 92% das ações previstas no TAC de 2018. A companhia atribuiu atrasos à pandemia da Covid-19, que teria impactado o fornecimento e a instalação de equipamentos.
Segundo a empresa, o aditivo de 2024 apenas formalizou prazos e sanções compatíveis com a complexidade das obras, e foi aprovado por unanimidade pela Comissão Estadual de Controle Ambiental (CECA). Todas as ações remanescentes, segundo a CSN, estão em fase final de execução sob fiscalização do Inea.
A CSN também informou ter sido alvo de seis vistorias em 2024 e quatro em 2025, e que auditorias conduzidas pela empresa francesa SGS atestam o cumprimento das obrigações. A companhia disse manter um sistema robusto de monitoramento da qualidade do ar, com dados enviados ao Inea em tempo real – sendo que, em 2024, o ar teria sido classificado como “bom” em 98,16% do tempo.
Por fim, a CSN declarou ter investido mais de R$ 1,2 bilhão no cumprimento do TAC e em melhorias ambientais – valor quatro vezes superior ao exigido inicialmente -, com previsão de ultrapassar R$ 1,5 bilhão até a conclusão dos projetos.
A CSN tem muitos argumentos e possivelmente provas a seu favor.
Enquanto isso, a comunidade (que escolheu ficar perto da usina), reclama dos males provocados pela agressão ao ar que respira. Mas é essa mesma comunidade que se beneficiar dos empregos proporcionados pelas empresas do grupo.
Escolhas precisam ser feitas, decisões precisam ser tomadas. Todas tem consequências.