Dados alarmantes divulgados pelo Instituto de Segurança Pública do Estado de Rio de Janeiro (ISP-RJ) revelam que no ano passado, o Estado do Rio de Janeiro registrou 49 casos de estupro envolvendo crianças e adolescentes, sendo que 30 desses crimes vitimaram menores de 11 anos.

 Os números ressaltam a urgência da adoção de medidas efetivas no combate a esse tipo de crime, reforçando a importância do Maio Laranja, mês de conscientização e enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. Na quinta-feira (dia 18) completou 50 anos do Caso Araceli, a menina que, aos 8 anos foi raptada, drogada e violentada física e sexualmente por vários dias, antes de ser morta, ter seu corpo desfigurado por ácido e abandonado em um terreno baldio em Vitória, no Espírito Santo. Araceli também foi vítima da impunidade já que, meio século depois, o crime permanece sem um desfecho justo.

            Nesta semana, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania divulgou que, só nos três primeiros meses deste ano, 17,5 mil violações sexuais contra crianças ou adolescentes foram registradas pelo serviço Disque 100. O número representa um aumento de quase 70% em relação ao mesmo período de 2022.

            Do ponto de vista psicológico, o acolhimento à vítima por um profissional é de extrema relevância a fim de evitar traumas ou minimizar danos consequentes da violência sofrida. Para a psicopedagoga Leondina Zanut, a campanha Maio Laranja também é fundamental, porém ainda pouco conhecida.

“A ação necessita ter apoio da sociedade, principalmente nas redes sociais, nas escolas, nas unidades de saúde, nas igrejas. Recentemente, uma pesquisa mostrou que mais de 80% dos abusos sexuais cometidos contra menores são feitos por conhecidos da vítima, pais, padrastos, irmãos, vizinhos. E isso é muito grave”, comentou.

            Como psicopedagoga, Leondina afirma tomar conhecimento de casos de violência sexual infantil em seu consultório, na Vila Santa Cecília, e enumera alguns sinais dados pelos pacientes que a fazem chegar a essa triste constatação.

“Casos de crianças com dificuldade no aprendizado escolar, constantes crises de ansiedade, infecções urinárias repetitivas, sequelas pulmonares, abstrações. E quando, como profissional, vou investigar a causa, caio em um caso de abuso sexual. Infelizmente já passei por isso três ou quatro vezes. São exemplos doloridos, são situações que nos machucam muito”, conta.

A profissional lembra especificamente de uma situação que abalou seu próprio emocional. “Eu denunciei, porque é inviável ouvir de uma criança, com toda a inocência, que é abusada sexualmente pelo padrinho. A dor que senti foi tão grande e pior ainda foi informar isso para os pais”, detalha.

Leondina lembra que se tratava de uma data afetiva para ela, e próxima ao Natal. “Eu soube brincando com essa criança, em uma testagem projetiva. Fui percebendo pelos traçados que havia alguma coisa estranha, irregular. Fui conversando e, após seis meses de atendimento, ela me contou com detalhes. Fiz pessoalmente a denúncia na promotoria e na delegacia da mulher. Porém, cinco anos se passaram e esse caso não foi resolvido, acabou morto pela justiça”, lamentou.

            Apesar da impunidade deste caso, em específico, a psicopedagoga ressalta que o papel principal do profissional é a denúncia. “Quando existe a denúncia, os órgãos correm atrás. E quando o abuso fica abafado? Recentemente eu atendi uma jovem que, com 18 anos, não era resolvida na vida, apelou para as drogas, para a automutilação. E descobri que ela era estuprada pelo padrasto com ciência da mãe”, lembra.

Leondina frisa que os órgãos públicos, quando acionados, oferecem apoio psicológico às vítimas. “Há necessidade de terapias intensivas e, em muitas vezes, ajuda psiquiátricas, pois a vida passa, mas as cicatrizes ficam”, conclui.

Como denunciar

            Uma das principais formas de combate à violência sexual contra crianças e adolescentes é por meio da denúncia. Para isso, o Disque 100, serviço nacional de denúncias do Governo Federal, se destaca como um canal importante e seguro para relatar também casos de abuso e exploração sexual infantojuvenil.

Além disso, outros serviços, como o 190 da Polícia Militar, o 197 da Polícia Civil, os Conselhos Tutelares, as Delegacias de Proteção à Criança e ao Adolescente, o Ministério Público e ONGs especializadas, também estão prontos para receber denúncias e garantir que esses crimes sejam investigados e os responsáveis punidos.

É fundamental que a sociedade esteja atenta, consciente e engajada na proteção de nossas crianças e adolescentes, denunciando qualquer forma de violência sexual e garantindo um ambiente seguro e saudável para seu desenvolvimento. Em Volta Redonda, os telefones de plantão dos Conselhos Tutelares são (24) 99963-0010 e 99938-1589.

Coordenador do Conselho Tutelar I de Volta Redonda, Bruno Nicolau, aponta quais sinais devem ser observados e explica como proceder em caso de denúncia

Qual o papel do Conselho Tutelar no acolhimento à vítima e no combate à exploração sexual contra a criança e o adolescente?

Averiguar a denúncia colocando a vítima a salvo de qualquer tipo de abuso ou exploração sexual e, posteriormente, proceder com a aplicação das medidas cabíveis, encaminhando o caso aos serviços especializados dos equipamentos da rede. É realizado o registro na Delegacia de Polícia e, após essa etapa, encaminhamos a criança ou adolescente vítima para o Centro de Atendimento Integrado a Criança e ao adolescente (Catica) para ser feita a escuta especializada da vítima, visto que a criança/adolescente não pode ser ouvida na DP. Posteriormente, encaminhamos as demais redes de proteção a fim de que a criança e/ou adolescente, vítima de tal exploração, receba os cuidados necessários para haver pronto atendimento na reparação dos danos causados pelo abuso sexual.

Embora as maiores incidências acometam a população mais vulnerável, o abuso sexual infantil não tem classe social. Quais são os principais fatores para esses abusos?

Uma série de fatores manifesta essa triste realidade. Contudo, alguns estudos sociais indicam que a mercantilização está no topo da lista do fator que mais promove a exploração sexual do público infantojuvenil, que é o sexo como fruto de uma troca financeira, favores ou presentes. Além disso, o fator cultural também tem um peso importante quando falamos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Neste universo, entra a questão de gênero, os rituais sobre iniciação sexual, tradições de grupos específicos, um forte apelo ao consumo, erotização infantil, entre outras coisas. Este número de ocorrências cresce no âmbito do convívio intrafamiliar, onde a violência sexual se instaura por parte de quem a criança acredita e confia.

É importante que as pessoas ao redor da criança (familiares, professores) estejam atentas ao comportamento dela. Quais os principais sinais que uma vítima de violência sexual pode dar?

Os sinais podem ser discretos ou evidentes, mas sempre se manifestam no comportamento, tais como: alteração de humor; vergonha excessiva; relatos de medo constante; proximidade excessiva com o abusador; comportamento infantilizado repentino; silêncio predominante; mudanças de hábitos (insônia, problemas com concentração e medo de dormir sozinha, por exemplo); mudança na forma de se vestir; interesse e início de brincadeiras de cunho sexual; palavras ou desenhos de cunho sexual; traumas físicos; enfermidades psicossomáticas sem motivo aparente (dores de cabeça constante, vômitos, diarreia, feridas na pele, por exemplo); mudança nos relacionamentos com amigos e colegas.

Qual a frequência que o Conselho Tutelar de VR recebe esse tipo de ocorrência e, em sua opinião, qual a importância de movimentos nacionais, como o Maio Laranja, nessas lutas?

Apesar dos abusos e exploração sexual infantil serem uma triste realidade em todo país, as denúncias deste teor não ocorrem com a mesma frequência que os acontecimentos. Denúncias relacionadas a abuso ou exploração sexual de crianças e adolescentes ocorrem esporadicamente e são geralmente detectadas e informadas por unidades de saúde. Infelizmente, isto não quer dizer que o crime não esteja acontecendo e sim que não está sendo denunciado. Por este motivo a importância de campanhas como o Maio Laranja, que tem por objetivo despertar a sociedade para a responsabilidade com a integridade de nossas crianças e adolescentes, bem como de orientar sobre como proceder no caso do conhecimento de tal crime, assegurando o denunciante do sigilo de sua informação. Portanto, este tipo de campanha contribui para que a sociedade não feche os olhos para um mal que é real e provoca estragos dia após dia. É de suma importância que toda a sociedade se conscientize da situação e denuncie. As denúncias têm o anonimato garantido.

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