No Brasil, mulheres que compõem a camada mais pobre da população precisam trabalhar quatro anos somente para custear a compra de absorventes durante toda a vida. Esse dado foi apresentado nesta terça-feira (dia 19) em audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), pela vice-diretora de ensino e informação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Ingrid D’Avilla. A reunião debateu a Indicação Legislativa 15/23, de autoria da deputada Renata Sousa (PSol), presidente do colegiado, que propõe a criação do Programa Estadual de Dignidade Menstrual no Estado.
De acordo com Ingrid D’Avilla, os dados mencionados por ela são do Banco Mundial e estão em relatório da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. Ela ainda citou a importância de haver ações educacionais para conscientizar sobre o tema da pobreza menstrual. “As mulheres, que estão entre as 5% mais pobres, precisam trabalhar todo esse tempo apenas para custear os absorventes que utilizarão durante toda a vida. Este fato é uma causa importante para a perpetuação do ciclo da pobreza”, explicou a vice-diretora de ensino e informação da Fiocruz.
De acordo com a deputada Renata Souza, o racismo estrutural baliza a vida de meninas, mulheres e pessoas que têm útero, principalmente aquelas que são negras, pobres, de favelas e periferias. “É importante que façamos esse recorte, para saber que todo esse processo que, em determinado momento que foi nomeado de pobreza menstrual, já trazia em si o debate de qual é a classe social dessas pessoas, mais afetadas e impactadas pela falta de dignidade menstrual”, destacou a presidente da Comissão.
Ausência na escola por falta de absorvente
A parlamentar apresentou dados de uma pesquisa da Unicef, feita em parceria com o Fundo de População das Nações Unidas, em maio de 2021. O estudo apontou que a pobreza menstrual no Brasil é fruto da desigualdade e violação de direitos. A pesquisa, realizada através de enquete ocorrida em 2021, com 1,7 mil crianças e adolescentes que menstruam, apontou que 62% afirmaram que já deixaram de ir à escola ou a algum outro lugar que gostariam de estar por causa da menstruação ou por não terem à disposição absorvente e condições básicas de higiene.
“A situação de vulnerabilidade social das meninas vai desde a falta de água e saneamento básico até a ausência de absorventes e insumos fundamentais para a garantia da dignidade menstrual. Essa pesquisa também traz a expressão do racismo estrutural da sociedade brasileira, apontando que, no Brasil, uma menina negra tem o triplo de chance de estar vivendo em situação de pobreza menstrual”, acrescentou Renata Souza.
A deputada disse, ainda, que solicitará à Comissão Especial pelo Cumprimento das Leis (Cumpra-se), da Alerj, para que fiscalize o cumprimento das leis já existentes que tratam desse assunto. Também reforçará junto ao Governo do Estado para que atenda à Indicação Legislativa que propõe a criação do Programa Estadual de Dignidade Menstrual. Por fim, ela afirmou que encaminhará ofícios às Secretarias Municipais de Educação do Rio de Janeiro, Niterói e São Gonçalo a fim de obter informações sobre a distribuição de absorventes em escolas públicas nessas cidades.
Já a coordenadora da organização não governamental (ONG) Criola e enfermeira obstétrica, Mariane Marçal, destacou que o tema da dignidade menstrual vai além da distribuição de absorventes, abrangendo outras vertentes como o diagnóstico da endometriose. “As mulheres negras têm dificuldade em obter o diagnóstico da endometriose, um problema muito grave que precisa de tratamento. Além disso, o absorvente é um artigo de luxo. Em famílias de extrema pobreza, há o comprometimento de 14,2% da renda para comprar o item”, afirmou Marçal.
Por sua vez, a superintendente da Secretaria de Estado da Mulher, Aline Inglez, defendeu que haja uma articulação entre os três poderes para garantir a dignidade menstrual. Ela citou as Leis Estaduais 9404/2021 e 9616/2022, que dispõem, respectivamente, sobre a distribuição de absorventes em escolas públicas e a mulheres que menstruam e vivem em situação de rua. “É dever do poder público garantir os direitos à dignidade menstrual. O tema também vem sendo discutido em âmbito federal, através do decreto que criou o Programa de Proteção e Promoção da Dignidade Menstrual”, comentou a superintendente.
Participaram também da audiência a terapeuta e educadora menstrual Edineide Pereira; a assistente social e integrante da Coordenadoria de Gestão de Ensino da Secretaria de Estado de Educação (Seeduc), Bruna Gomes; a representante da ONG Elas Existem, Lucilene Gomes; e a integrante da ONG Absorvendo Amor, Milla Salluh.
Foto: Thiago Lontra