Um balde de água fria na cabeça dos profissionais da enfermagem. Na quinta-feira (dia 15), o Supremo Tribunal de Justiça (STF) formou maioria para manter a suspensão da lei que cria o piso salarial da categoria até que sejam apresentadas as fontes de recursos para sustentá-la. O relator, Luís Roberto Barroso, foi acompanhado pelos ministros Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes para suspender a remuneração de R$ 4.750 por mês.

Sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) no início de agosto, o piso nacional para profissionais da enfermagem pode gerar um elevado custo para os governos municipais, se, de fato, começar a ser aplicado. Conforme o voto do relator, o Congresso e o Executivo têm dois meses para explicar o impacto financeiro da medida, previsto em R$ 16,3 bilhões, e a fonte de custeio das despesas criadas.

A aplicação do piso já havia sido suspensa de forma liminar pelo relator, a pedido da Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos de Serviços. De acordo com um levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM), sem fonte de custeio definida, o piso pode deixar 117.803 moradores de Volta Redonda sem assistência de saúde.

A lei define piso salarial de R$ 4.750 para enfermeiros, R$ 3.325 para técnicos de enfermagem e R$ 2.375 para auxiliares e parteiras. Segundo a CNM, o piso pode gerar despesa de até R$ 7,4 milhões por ano à prefeitura de Volta Redonda e, por causa disso, provocar demissão de 139 profissionais da enfermagem ligados à Estratégia de Saúde e Família (ESF) – programa voltado à saúde básica, vinculado ao SUS -, o que representa 39 equipes.

Somados, nos municípios de Volta Redonda, Barra Mansa e Resende, a previsão é de que 237 profissionais sejam demitidos, totalizando 75 equipes. O impacto atingiria 232.347 pessoas que utilizam a rede pública de saúde nestas três cidades.

 Além de Volta Redonda, município da região Sul Fluminense com o orçamento mais afetado, Barra Mansa também sofreria acréscimo de R$ 2,8 milhões anuais na folha de pagamento. Em Resende, o impacto financeiro previsto é de R$ 2,1 milhões.

 Definição

Relator da matéria, o ministro Luís Roberto Barroso havia concedido liminar pelo fato de a lei não apresentar uma fonte de custeio. A Confederação Nacional de Municípios entregou o estudo completo à Corte com o intuito de apoiar a avaliação dos ministros nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7222.

O presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, destaca que o movimento municipalista reconhece a importância de valorizar esses profissionais, mas alerta para a inviabilidade no atual cenário e os efeitos da medida na prestação de serviços à população.

“Não há que se discutir a importância dos profissionais da saúde, especialmente pelo que vivemos no enfrentamento à pandemia. Porém, sem que seja aprovada uma fonte de custeio, conforme o Congresso havia se comprometido, veremos a descontinuidade de diversos programas sociais, o desligamento de profissionais e a população que mais necessita desassistida”, afirma.

 Programas federais

No documento, a CNM traz um panorama sobre os programas federais na área de saúde e como esses podem ser impactados pelo piso. A entidade aponta que, dos 280 programas federais mapeados, 76 são da saúde. Conforme o estudo, existem déficits de incentivos financeiros acumulados que chegam a cerca de 150% somente nos últimos dez anos.

Um exemplo é o incentivo destinado ao financiamento das Equipes de Saúde da Família (ESF), principal eixo da Atenção Primária à Saúde. Atualmente, 5.563 Municípios integram o programa, que conta com 52.193 equipes credenciadas, além de representar uma cobertura cadastral de 153,8 milhões de pessoas, o que corresponde a 73,19% da população brasileira.

O impacto do piso da enfermagem, somente na ESF, será superior a R$ 1,8 bilhão no primeiro ano e, para manter os atuais R$ 6,1 bilhões de despesas com os profissionais de enfermagem, os municípios brasileiros terão que descredenciar 11.849 equipes de ESF/EAP, representando uma redução de 23% no total de equipes.

Fórum Nacional de Enfermagem e demais entidades convocam paralisação em todo país

A suspensão da lei que cria o piso salarial da categoria deve intensificar as manifestações dos profissionais da área. Uma paralisação nacional está prevista para a próxima semana pelo Fórum Nacional da Enfermagem, que inclui entidades da categoria, como a Federação Nacional dos Enfermeiros. Na última terça-feira (dia 13), representantes dos conselhos Federal e Regionais de Enfermagem (Cofen/Coren) já haviam se reunido para debater estratégias de atuação conjunta em defesa da validade da remuneração.

O encontro aconteceu durante a tradicional reunião de presidentes do 24º Congresso Brasileiros dos Conselhos de Enfermagem (CBCENF). “Os conselhos têm exercido papel de destaque e seguirão unidos pela garantia do piso, uma conquista histórica da categoria. Agiremos com todo o empenho necessário para superarmos este impasse”, declarou o órgão.

Segundo o Cofen, convocados a opinar sobre a ADI, a Advocacia-Geral da União (AGU), a Procuradoria-Geral da República, o Senado e a Câmara dos Deputados manifestaram certificando a constitucionalidade da lei e posicionaram de forma contrária à ação da Confederação dos Hospitais. A entidade chegou a protocolar no STF uma carta defendendo a conquista histórica da categoria.

“Os dados sobre o impacto do piso foram calculados e amplamente debatidos, sendo fruto de extenso estudo técnico do Grupo de Trabalho do piso na Câmara dos Deputados. Precisamos acreditar que a valorização salarial será realidade”, frisou o conselheiro federal Daniel Menezes, que também integra o Fórum Nacional da Enfermagem.

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