“É muito triste. Estamos no século 21 e, com tanta informação disponível e campanhas contra o preconceito, ainda ver isso acontecer dentro do esporte é revoltante. Mais doloroso ainda foi perceber que até os pais incentivaram os ataques em vez de repreendê-los. O que deveria ser um espaço de aprendizado e união acabou se transformando em cenário de violência e intolerância.”
O desabafo é do treinador Fernando Pereira, do Clube dos Funcionários de Volta Redonda, alvo de insultos homofóbicos junto com suas atletas durante a final da Copa Gigantes da Rede, realizada no último domingo (dia 24), em Paty do Alferes.
De acordo com relatos, ao final da partida, vencida pela equipe de Volta Redonda, pais e jogadoras adversárias passaram a hostilizar o grupo, proferindo xingamentos de cunho racista e homofóbico. Fernando conta que, em meio à confusão, ouviu ofensas diretas: “O treinador é viado”. Com orgulho de sua identidade e sem deixar a provocação abalar sua postura, o técnico não esconde a frustração.
“Sou professor de Educação Física e o nosso papel vai além do treino. A gente educa para a vida. Quando vejo atletas adolescentes e pais reproduzindo esse tipo de violência, me pergunto onde estamos falhando como sociedade”, questionou.
Nota do Clube dos Funcionários
Em comunicado oficial, o clube repudiou os ataques sofridos: “Durante o jogo, nossa equipe foi alvo de manifestações de preconceito racial e homofóbico, além de ameaças à saída do ginásio. Tais atitudes são inaceitáveis e violam princípios de igualdade, respeito e dignidade humana. Reafirmamos que o esporte deve ser espaço de integração, inclusão e formação de valores, jamais de discriminação.”
Solidariedade e repercussão
O caso provocou forte reação nas redes sociais. “Atitude nojenta. Me solidarizo com vocês! O respeito sempre será maior do que qualquer preconceito”, escreveu um internauta. Outro sugeriu punição severa: “Desclassificação imediata da equipe e suspensão de todas as competições por dois anos”.
Clubes e entidades esportivas também se manifestaram, incluindo o Clube Comercial, de Volta Redonda, que divulgou nota de apoio: “Unidos seguimos mais fortes em prol do esporte, do lazer e da nossa cidade. Contra qualquer tipo de preconceito, aqui, o respeito está acima de tudo.”
A Escolinha de Vôlei Monte Líbano reforçou: “Em pleno 2025, atitudes como essa não podem sequer ser cogitadas, especialmente em competições de base, com meninas de até 16 anos.”
A Escola de Vôlei de Maricá lamentou: “Infelizmente, ainda vemos torcidas que não sabem apoiar o próprio time sem ofender o adversário. É preciso mais conscientização para que o esporte seja espaço de respeito e crescimento.”
Já o Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas LGBTI+ de Volta Redonda se colocou à disposição do clube e das atletas.
Treinador adversário lamenta
O professor responsável pela equipe de Paty do Alferes, que já havia deixado o local quando a confusão aconteceu, enviou mensagem a Fernando Pereira:
“Fiquei profundamente entristecido ao saber do ocorrido. Não aceito, em hipótese alguma, atitudes de preconceito ou desrespeito vindas de qualquer atleta da minha equipe ou de qualquer acompanhante das partidas. Respeito muito você, tanto como treinador quanto como atleta, e lamento que você e sua equipe tenham passado por essa situação. Reforço minha solidariedade a vocês e meu compromisso em trabalhar ainda mais para que isso não se repita.”
Prefeitura se manifesta
A Folha do Aço tentou contato com a assessoria de comunicação da prefeitura de Paty do Alferes, que não deu retorno até o fechamento desta edição. Nas redes sociais, no entanto, o governo municipal divulgou nota.
“É inaceitável que atletas e comissão técnica tenham sido alvo de manifestações discriminatórias e ameaças. Determinamos a apuração rigorosa dos fatos junto aos organizadores e autoridades competentes”, afirmou.
O texto recebeu críticas de internautas por não mencionar explicitamente que os ataques partiram da equipe local. “Quem sofreu os insultos homofóbicos e racistas foram as meninas do Clube dos Funcionários”, apontou uma usuária.
Voz das famílias
Uma mãe de atletas do Clube dos Funcionários também enviou nota de repúdio:
“Aprendi a lidar com vitórias e derrotas, mas sempre com respeito. O que vimos em Paty do Alferes foi repugnante, um crime tipificado pela Lei nº 7.716/1989, que trata da discriminação por raça, cor, etnia, religião ou orientação sexual. Esse tipo de conduta precisa de punição exemplar para que nunca mais se repita.”
O treinador dos Funcionários, Fernando Pereira, reforçou o papel do esporte como ferramenta de transformação social. “Que essa situação sirva de alerta, mas, acima de tudo, de aprendizado. O esporte é um espaço de união, respeito e superação, e não pode ser palco para qualquer forma de preconceito. Precisamos entender que as diferenças nos enriquecem e que o respeito deve sempre vir em primeiro lugar, dentro das quadras e fora delas. Que possamos transformar episódios como esse em oportunidade de reflexão, para que cada um de nós se comprometa a construir um ambiente mais humano, inclusivo e acolhedor. Só assim o esporte cumpre o seu verdadeiro papel: formar não apenas atletas, mas cidadãos melhores”, concluiu.