Reconhecido pela expertise em investigações relacionadas aos crimes ambientais, o delegado federal Alexandre Saraiva, 50 anos, teve seu nome projetado nacionalmente a partir do embate com o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. A polêmica resultou na saída do policial da superintendência da PF na Amazônia, e uma transferência para Volta Redonda.  

Esta, porém, não é a primeira vez que Saraiva atua na Cidade do Aço. Há 11 anos, ele trabalhou na delegacia da PF instalada no bairro Aterrado. Outro vínculo com o município do Sul Fluminense, esse de cunho pessoal, é o filho, nascido aqui.

 Passado o furacão, Alexandre Saraiva faz um balanço exclusivo à Folha do Aço desses quase quatros meses na sede da PF em Volta Redonda. Fala também sobre a situação da nossa região, a relação com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e, claro, se tem interesse em disputar um cargo eletivo no próximo ano.  

Confira a seguir, a entrevista concedida no início da tarde de quinta-feira (dia 26), no restaurante Adega do Portuga, no bairro Monte Castelo. 

Folha do Aço: Hoje, o senhor é uma figura reconhecida no cenário nacional pelas questões que envolveram a sua passagem pela superintendência da PF na Amazônia. Fale um pouco desse período até a chegada em Volta Redonda. Como é que aconteceu este processo? 

Alexandre Saraiva – Já trabalhei em Volta Redonda, em 2009. Fui chefe da delegacia, então é uma cidade que tenho uma relação já bastante antiga. Depois dessa situação toda no Amazonas, vim pra cá, meu filho nasceu aqui em Volta Redonda e eu precisava ficar perto dele. Eu achei o lugar mais adequado para vir. Tem uma equipe excelente, considero uma das melhores equipes do Rio de Janeiro. 

Já se readaptou a cidade? 

Totalmente. Voltar para o nosso estado é muito mais fácil do que ir. Quando eu fui aprendi muito. Foi um crescimento profissional imenso, mas você tem uma dificuldade em se adaptar ao clima, por exemplo. Aqui é calor, mas lá é muito calor, e é de janeiro a dezembro. A dinâmica é totalmente diferente, de transporte, de logística.  

E como é viver na Amazônia? 

Eu acho que todo brasileiro que tiver oportunidade de conhecer a Amazônia, deve conhecer, porque ela nos afeta diretamente. O clima no sudeste está diretamente relacionado ao que acontece na Amazônia. Segundo, é como Milton Nascimento diz em uma música dele: ‘Ficar de frente para o mar, de costas para o Brasil, não vai fazer desse lugar um bom país’. Eu fui como um voluntário para a Amazônia, para contribuir de alguma forma para combater a destruição da floresta.  

E o trabalhar naquela região? 

Acho que eu dei uma colaboração. Fizemos bastante, criamos novas metodologias de trabalho. Implementamos novas tecnologias que hoje são alardeadas aí, mas surgiram todas no Amazonas durante a minha gestão. Especialmente um novo sistema de satélite de monitoramento de desmatamento e de crimes ambientais, verificação de obras públicas e outras tecnologias. O importante é que você não precisa estar na Amazônia para defender a Amazônia, qualquer lugar do Brasil pode fazer a sua parte, inclusive a polícia.

Já deu tempo de observar os problemas ambientais de Volta Redonda? Como você analisa essa parte? 

Eu acho que as características são diferentes, mas nós temos, sim, aqui problemas ambientais. Eu diria que o Rio Paraíba do Sul é uma questão sensível. A questão da poluição das águas do Rio Paraíba, poluição atmosférica, e isso está dentro da atribuição da Polícia Federal e se houver algum procedimento nesse sentido, eu acredito que já exista, vai ser analisado, estudado. Mas tudo dentro de uma técnica, de uma análise científica, não é só um trabalho policial, é trabalho de combate ao crime ambiental, que tem um viés científico muito forte. Não dá para você combater crime ambiental se você não entender de ciência. 

“Estou investindo muito da minha energia no trabalho, que é minha obrigação principal”, afirma Saraiva (Fotos: Evandro Freitas)

Com relação aos problemas ambientais da CSN, já existe algum trabalho nesse sentido?
Eu não posso falar de trabalhos em andamento. Mas existe sim, já foi noticiado. Estou falando porque já foi noticiado pela imprensa, mas eu não posso dar nenhum detalhe sobre como está andando. Como está escrito no hino da Polícia Federal, ‘trabalhamos dia e noite’, não só nesses inquéritos, mas em outros, como desvios de recursos previdenciários e públicos. É uma delegacia descentralizada, por isso é meio ‘clínica geral’, todo mundo faz tudo. 


Hoje, por exemplo, o Sul Fluminense tem uma questão por ser uma rota entre Rio e São Paulo. A questão do tráfico, hoje, é uma preocupação da PF aqui na região?
Sem sombra de dúvida. Na minha passagem aqui, em 2009, nós fizemos uma apreensão na época, que foi uma das maiores já feitas pela PF e a maior da delegacia até hoje. Foi uma tonelada e oitocentos quilos de maconha, passando aqui. Assim como eu disse que você não precisa estar na Amazônia para combater o crime ambiental, a gente tem que buscar parcerias com outras instituições, troca de informação, para que possamos ser mais eficientes. 


Isso vem acontecendo periodicamente? 

Sim, é uma diretriz de compartilhar e trabalhar em conjunto com outras instituições.

Voltando no período conturbado da saída da superintendência, o senhor acha que naquele momento foi uma questão de ressentimento do Ricardo Salles, então ministro do Meio Ambiente? O que você atribui aquele processo? 

Olha, aquela operação começou no dia 15 de novembro. Nas eleições, tínhamos uma equipe da PF no Amazonas para dar apoio à divisão aérea. Como ia levar policiais do sul do estado para apoiar as eleições, solicitei ao piloto para que levasse mais um policial e fizesse fotografias aéreas de alguns rios na região, que os satélites tinham apontado como um fluxo incomum de balsas de madeira. Eu queria confirmar, e foi confirmado. Tiraram as fotos… isso foi em novembro, e de novembro até janeiro [2021] foi uma sequência de apreensões. E nós acabamos, ali próximo da divisa com o Pará, apesar de ser uma equipe do Amazonas, chegamos no Pará e foi feita a maior apreensão de madeira da história. Foram 226.000 m³ de madeira, isso é uma enormidade. Acho que na floresta da Tijuca inteira não tem essa quantidade de árvores.  

Foi então que o inquérito foi instaurado? 

Eu instaurei o inquérito, fiz diversos laudos periciais e o ministro [Ricardo Salles] entrou no meio da história. Fez uma pseudo-perícia e disse que estava tudo certo. Numa entrevista, ele questionou o trabalho da PF no estado e eu não podia permitir aquilo, ainda mais que na época vários policiais nossos estavam no meio da selva trabalhando. Logo em seguida, dei uma entrevista à Folha de São Paulo rebatendo todos os pontos da fala do ministro. Não satisfeito, ele voltou a dar uma entrevista onde mostrava documentos falsos. Ali, eu entendi que ele também fazia parte da organização criminosa que estava sendo investigada. 

Também existia, naquela oportunidade, um comentário de que o senhor poderia assumir o ministério do Meio Ambiente. Você chegou a receber um convite para assumir a pasta?  

Quando eu instaurei o inquérito, nunca poderia imaginar que ele [Ricardo Salles] iria lá, até porque foi instaurado em janeiro. Essa investigação começou em novembro, o inquérito começou em janeiro. Agora, se tem um ressentimento da parte dele? Não sei. Eu cheguei a ser sondado, sim, para o ministério do Meio Ambiente, quando o Jair Bolsonaro foi eleito, mas isso foi lá em 2018. Não houve uma convergência de ideias e esse convite acabou não se concretizando. Eu tive uma conversa com ele, onde eu coloquei os pontos que considerava como fundamentais para que o Brasil tivesse uma postura adequada numa política ambiental séria, especialmente com os reflexos econômicos que uma política ambiental equivocada pode provocar. As coisas não são instantes, o meio ambiente está relacionado com a economia. 

“Eu cheguei a ser sondado, sim, para o ministério do Meio Ambiente, quando o Jair Bolsonaro foi eleito”


Mas você acredita que tenha ocorrido ressentimento da parte dele? 

Olha, isso aí é uma questão que eu não sei o que passa pela cabeça das outras pessoas. Sei o que passa pela minha. Eu fui profissional, fiz o que tinha que ser feito. Da minha parte foi um trabalho estritamente profissional. 


Quando foi a última vez que o senhor falou com o presidente Jair Bolsonaro? Houve, em outubro do ano passado, uma reunião em Manaus, promovida pelo vice-presidente [Hamilton] Mourão, com a maior parte dos embaixadores europeus. Foram na superintendência e me pediram para fazer uma apresentação para eles. Estavam também a ministra da Agricultura [Tereza Cristina], o então ministro Ricardo Salles [Meio Ambiente] e o general Heleno [chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República]. Eu fiz uma apresentação e falei, é verdade, que boa parte da responsabilidade pelo desmatamento da Amazônia está nos ombros da comunidade Internacional, que pede providências para preservação do meio ambiente, mas por outro lado compra a madeira ilegal. Aí eu falei isso lá para todos os embaixadores […] Eles gostaram dessa minha palestra e falaram com o presidente, que pediu que o conteúdo dessa palestra fosse reproduzido na live dele. O diretor-geral [Rolando de Souza, que deixou o cargo em abril] me designou para essa missão. Eu fui para live e tudo que eu falei na live com o presidente, eu sustento e falo com toda certeza. Foi um posicionamento técnico. Foi a última vez que eu falei com ele. 

E o que mais o senhor falou na palestra? 

Falei ainda que desde que o Brasil foi colonizado que se tira a madeira daqui para levar à Europa. Primeiro foi o Pau-Brasil, depois o Mogno e agora a madeira mais retirada é o Ipê. Qual o reflexo disso? Temos madeira de altíssima qualidade, como o Ipê, sendo vendida para os Estados Unidos a preço de compensado, a preço de Pinus. Por quê? Porque o sujeito não tem custo nenhum. Matéria-prima ele tem de graça, que ele tira de terra da União, mão de obra praticamente escrava. Então a gente faz um derrame de madeira no mercado internacional, mas quem compra também não confere, mas deveria conferir. 

Você acha que o presidente hoje interfere ou vem interferindo na PF? 

Acho que acontecem coisas, hoje, na PF que são extremamente incomuns. Por exemplo, eu fiz essa notícia-crime contra o Ricardo Salles, no dia seguinte eu fui exonerado. Pode ter sido uma coincidência? Pode. Aí outro colega, em outro inquérito, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) também, investiga o Ricardo Salles. Esse cara aí que ia ser promovido a 03 da Superintendência do Distrito Federal, a promoção dele é suspensa, arquivada, e sobre os motivos se colocam sigilo de 100 anos. Ele era chefe da Delegacia de Combate à Corrupção e foi destituído. Ele não foi promovido e foi retirado da delegacia. Em seguida, o chefe da Divisão de Meio Ambiente da PF, delegado Rubens [Lopes da Silva], que trabalhou comigo, foi afastado também. Fica difícil acreditar que não existe algum tipo de força que está atuando contra aqueles que promoveram uma investigação. E eu digo, não só contra o ministro [Salles]. 

Interferência na PF: “Fica difícil acreditar que não existe algum tipo de força que está atuando contra aqueles que promoveram uma investigação”



O senhor atribui a saída da superintendência da Amazônia e a vinda para Volta Redonda a essa interferência? 

Isso é um sentimento pessoal meu, mas eu diria que sim. A percepção que ficou foi essa [interferência]. Digo isso, pois na época, eu até evitava afirmar isso, porque não tinha acontecido ainda outras duas exonerações. Poderia ser uma movimentação que, querendo ou não, acontece quando se muda diretor-geral. Naquela época tinha mudado, mas na sequência essas duas outras fica difícil não pensar nessa hipótese. 


Qual análise o senhor faz sobre o atual ministro do Meio Ambiente, Joaquim Alvaro Pereira Leite? 

Rapaz, eu nem sei o nome desse ministro, o que eu sei é que é idêntico. Vou te dar um exemplo. Tem um sistema que é fundamental para a gente controlar o desmatamento, é um sistema chamado Sisdoc. É um sistema em que nós da PF, da Receita Federal, da Polícia Rodoviária Federal, verificamos se a madeira que está circulando, que vai ser exportada, tem origem lícita. Esse sistema está fora do ar desde março, isso é um absurdo. Você imagina, em uma comparação, se a Polícia Militar, de uma hora para outra, não tivesse mais acesso ao sistema do Detran para verificar se um carro é roubado. E é isso que está acontecendo e eu já falei diversas vezes, e não acontece nada para mudar isso.  

Mas o sistema está fora do ar por qual razão? 

O sistema está fora do ar mesmo. Hoje, nesse ponto da fiscalização da madeira ilegal, nós estamos cegos e é muito grave, porque existe uma entendimento, de um modo geral, um senso comum, que o crime ambiental é um crime menor. Na verdade, na Região Amazônica, o maior esquema de desvio de recurso público está relacionado com os crimes ambientais. É uma organização criminosa com tentáculos dentro do governo, nos órgãos estaduais, perigosíssima, com elementos originários do tráfico de drogas, que hoje atuam no ramo. Hoje, nós temos no Amazonas, uma rota importante de transporte de cocaína, garimpo, muito ouro. O Amazonas é um estado imenso, coberto de florestas, se nada for feito, se não houver uma mudança séria de segurança pública em sua região, nós corremos o risco de criar na Amazônia, um Rio de Janeiro de tamanho continental. É uma situação que depois vai ter uma reversibilidade muito custosa, muito difícil.

O senhor, com esta visibilidade, passou a ter o nome até mesmo cogitado para ser um candidato na próxima eleição. Passa pela sua cabeça, como você trabalha essa questão?
Hoje, eu me vejo primeiro como policial. Também me vejo como um pesquisador das questões relacionadas ao meio ambiente. Isso já é muita coisa para minha cabeça. Foi uma ruptura muito grande na minha vida essa saída [da superintendência]. Para você ter uma ideia, a minha mudança chegou ontem [quarta-feira, dia 25]. Manaus é longe. Eu, sinceramente, não parei para pensar seriamente na possibilidade, não me vejo nisso, mas a gente não sabe no dia de amanhã.  

“Hoje, eu me vejo primeiro como policial. Também me vejo como um pesquisador das questões relacionadas ao meio ambiente”. 

Mas seria um movimento natural, não acha? 

É natural. Eu acho que existe no Brasil uma carência muito grande de boas pessoas na política e nós realmente não podemos ter preconceito com a política, porque querendo ou não quem resolve, no final, são os três poderes. É preciso que o Brasil perca um pouco desse preconceito com a política. O povo brasileiro é um povo honesto, mas o Congresso não reflete o brasileiro. Mas espero que outras pessoas melhores do que eu venham a se candidatar. Eu já estou contribuindo. 


No caso, hipoteticamente, de uma mudança de pensamento, se for para concorrer, se vê mais no Legislativo ou no Executivo? Ponto número 2: disputaria pelo estado do Rio ou pelo Amazonas? Já parou em algum momento para pensar nessas questões?
Meu título de eleitor nunca saiu do Rio de Janeiro, sou nascido e criado em São Gonçalo, meu título sempre ficou lá. Infelizmente, nem sempre conseguia votar, pois estava distante. Então, meu título não vai sair de São Gonçalo. Mas não parei para pensar em qual cargo gostaria. Isso aí é uma ideia que eu não me vejo hoje nessa situação. Estou investindo muito da minha energia no trabalho, que é minha obrigação principal e escrevendo artigos científicos, pois muita informação que eu tive lá [na Amazônia] se você não colocar não num artigo, não der entrevista, essas informações se perdem e o que eu vejo hoje é que o povo brasileiro, a sociedade brasileira, tem um conhecimento muito superficial do que acontece na Amazônia.  

E o que acontece lá? 

A sociedade brasileira não sabe e, muito menos, a comunidade internacional. No caso da comunidade internacional, tenho dúvidas se é por desconhecimento ou hipocrisia, mas o brasileiro não conhece mesmo. Por exemplo, essa é uma crítica, mas antes de ir para lá eu também pensava que o agronegócio destruía a floresta, mas não é bem assim. Essa dinâmica já foi verdadeira nas décadas de 80 e 90, mas não hoje. Quem destrói a floresta hoje é a extração ilegal de madeira.  

“É preciso que o Brasil perca um pouco desse preconceito com a política”

Por que isso acontece?  

O mercado internacional da madeira foi dominado durante muitos anos por países do sudeste asiático, mas a forma com que eles exploram está oferecendo cada vez menos madeiras ao mercado. Com isso, a pressão pela madeira da Amazônia cresceu vertiginosamente.  

É algo ruim para o Brasil?  

Não necessariamente, se a gente explorar a madeira de forma racional. O que acontece hoje é parecido com uma nuvem de gafanhotos em cima de uma folha, destroem tudo e você nunca mais tira a madeira de lá. Essa Maçaranduba que a gente compra aqui no Rio, leva de 400 a 1.400 anos para se formar. Não é um recurso tão renovável assim. A Amazônia é tão grande que mesmo com esse tempo, a gente consegue extrair, mas tem que ser com planejamento.  

E que se vê lá hoje?  

A fraude é uma constante nos processos de desmatamento. Eu já analisei mais de 1.000 processos, em Roraima, Amazonas e Pará. Eu nunca encontrei um processo sem fraude. No total, eu e minha equipe analisamos mais de 5.000 processos. A importância do processo administrativo é interessante, pois tem o Documento de Origem Florestal, colado na madeira para determinar se ela é legal ou ilegal. Não dá para desmatar, ganhar dinheiro com isso, sem esse documento. Imagina um sujeito que tem uma loja de carros que só vende veículos roubados ou furtados. Ele precisa de um esquema, o órgão estadual de trânsito precisa legalizar aquele carro, se não ele não vende. A mesma coisa com a madeira e o que acontece? Eles ‘esquentam’ a madeira e são fraudes grotescas. O sujeito diz que ocupa a área desde determinada data, previsto na lei 11/1952, que diz o seguinte: se você ocupa uma determinada área na Amazônia e explora para agricultura e gado, em data anterior a 22/07/2008, o Estado vai te deixar explorar até no máximo 1500 hectares. Aí os processos vinham assim: 1499, 1498. Pegamos vários casos que o sujeito diz lá ‘ocupo desde 2004’, aí você vai ver e descobre que ele nasceu em 1996, ele tinha 8 anos. O pessoal até brincava dizendo: ‘tá cheio de Mogli aqui’. Na imagem de satélite da área, tudo mata fechada, não vai tirar madeira de lá nunca. E aí, acaba tirando de terras indígenas, da União, de Parques Nacionais. Poucos sabem que a dinâmica é essa.  

Saraiva: “Se não houver uma mudança séria de segurança pública em sua região, nós corremos o risco de criar na Amazônia, um Rio de Janeiro de tamanho continental”

E como acabar com o desmatamento?  

Quer acabar com o desmatamento? É só acessar os processos administrativos. O Pará é o pior de todos e responde por 50% de todo o desmatamento. O Pará nem processo administrativo tem, eles usam um sistema próprio deles que não se integra ao nacional e fica por isso mesmo. Se a comunidade internacional quiser ajudar, é só parar de comprar a madeira do Pará, até que ela entre no sistema de controle nacional. Quando eu cheguei na Amazônia, em 2011, o desmatamento em Roraima tinha aumentado 336%, era um número caótico. Cheguei a pensar que a floresta ia realmente acabar e tentei fazer o máximo para, pelo menos, retardar o processo de destruição. Com o passar dos anos, pegamos uma expertise e hoje já temos a tecnologia necessária. Infelizmente falta vontade política. Hoje, com um sistema de satélite, vemos imagens da Amazônia inteira com um atraso de apenas 24 horas, é quase em tempo real.  

Falta vontade política? 

É vontade política. E acho que o agronegócio brasileiro tem que descolar desses criminosos, pois esses ilegais, eles têm um peso no PIB irrelevante, mas acaba atingindo nosso principal ator no PIB, que é o agronegócio. A Europa começa a dizer que não vai comprar soja do Brasil por conta do desmatamento, mas nunca diz que não vai comprar madeira, o que acaba sendo um absurdo. Se você pegar a legislação europeia sobre importação de madeira, que é o regulamento 995 de 2010. Trata-se de uma legislação extremamente frouxa, permissiva. Quem compra lá só precisa dizer uma vez de quem comprou. Quando você olha o regulamento europeu para compra de carne bovina, que é o 1765 de 2010, a palavra rotulagem tá escrita 35 vezes, o gado recebe brinco no pasto, para entrar na Europa o boi recebe passaporte. Então, é uma diferença de tratamento absurda. 

“acho que o agronegócio brasileiro tem que descolar desses criminosos”

Mas porque fazem isso?  

Nossa soja e nossa carne entram como concorrentes de produtos europeus, já nossa madeira entra lá como insumo para economia deles. E pior, o Brasil faz um processamento primário da madeira e na Europa vira móvel, pequenas peças, agregando valor ao produto. Dessa forma, a gente cria empregos na Europa, nos Estados Unidos. Dizer que isso é certo? Nem no sentido econômico. 


Aqui na nossa região, com relação à questão de satélite, é possível observar evolução no desmatamento? 

Esse sistema foi criado na minha gestão lá no Amazonas. Foram contratados 50 mil km² no Sul do Amazonas. Já no ano seguinte, subiu para 180 mil km², e como eu estava participando do projeto, coloquei as unidades de conservação do Rio. Por isso, temos como chegar aqui na região. A Mata Atlântica é uma situação grave. Tem um livro que recomendo muito, chamado A Ferro e Fogo, em que o autor narra como a Mata Atlântica foi destruída, isso lá na década de 1940 e 50. Chega em um ponto, se você tirar Mata Atlântica e escrever Amazônia, a pessoa vai achar que realmente se trata da Amazônia, tamanha as similaridades. Do mesmo jeito, estamos destruindo os dois locais.

Temos a Floresta da Cicuta, o Parque Nacional de Itatiaia e Angra dos Reis. Hoje é possível afirmar que temos que ficar atentos?
 

Claro que temos que ficar atentos. Essa semana mesmo, o superintendente do Rio de Janeiro [TácioMuzzi Carvalho e Carneiro], me convidou para fazer uma exposição para os delegados, inclusive o de Angra. Ele me falou dos problemas de lá, que estavam usando o novo sistema para detecção e monitoramento. Na época que a gente comprou, até teve uma confusão com o sistema do INPE [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais], mas na verdade eles têm objetivos complementares. No novo sistema, o atraso da imagem é de no máximo 24 horas. 

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