Diz o ditado popular que “a Justiça tarda, mas não falha”. Esta sensação, finalmente, pode ser desfrutada por um grupo de ex-funcionários da Fábrica de Estruturas Metálicas (FEM), antiga subsidiária da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), e seus familiares. Há 17 anos, oito engenheiros e um economista foram demitidos sob a alegação de justa causa. Sem qualquer evidência concreta, eles foram acusados de negligência. 

Desde então eles lutavam na Justiça pela reparação dos danos causados por uma suposta perseguição. Enfim, um motivo para celebrar. Em dezembro passado, foi pronunciada a sentença favorável aos trabalhadores, condenando a FEM ao pagamento de indenização por danos morais. Detalhe: três dos beneficiados com a decisão judicial já faleceram, ficando os valores recebidos para seus familiares.

História

A história se arrasta desde o dia 10 de novembro de 1997, quando Aurélio da Silva Veiga, Benedito Antônio Rodrigues Silva, Carlos Alberto Silva, Celestino Gonçalves de Carvalho, José Carlos Valerstain, Wilson José Gonçalves Ribeiro, Walter Kalawatis Filho, Paulo Tércio Soares Ávila e Sebastião de Souza Moreira foram demitidos da FEM Estruturas Metálicas. A decisão da direção da empresa causou surpresa não somente entre os demitidos, como também no chão da fábrica. Afinal, eles eram considerados funcionários exemplares.

O espanto foi ainda maior com a justificativa apresentada, de desídia. Conforme o artigo 482 da CLT, o termo é utilizado para justificar a demissão de empregados por desleixo, negligência, preguiça e desinteresse. 

Auditoria suspeita

Segundo os demitidos, a acusação teve início após a realização de uma auditoria, contratada a mando da CSN. De maneira, no mínimo suspeita, os auditores concluíram condutas irregulares entre a FEM e a Hexagonal Engenharia e Construção, prestadora de serviços. 

Em depoimento prestado em 2014 à Federação dos Sindicatos de Engenheiro (Fisenge), o chefe do Departamento de Manutenção Industrial, Carlos Alberto Silva, explicou o que realmente teria ocorrido. 

“Desconheço o motivo da acusação de desídia. O departamento que eu comandava era rentável e gerava bons lucros à FEM. Acredito que foi uma atitude da CSN com intenção de desmoralizar toda a gerência da FEM e, assim, deixar os outros colaboradores sem direção”, disse em entrevista publicada no informativo do Sindicato dos Engenheiros de Volta Redonda (Senge-VR). Em sua defesa, Carlos Alberto alegou que as assinaturas encontradas nos boletins de medição eram referentes a serviços anteriores. 

Único economista entre os demitidos, Aurélio Veiga trabalhou durante 21 anos na FEM, onde exerceu a função de chefe de Departamento e de gerente de Controle. Na mesma publicação do Senge-VR, ele contou o impacto que o acontecimento causou em sua vida e de sua família. “Foi terrível, mas juntos conseguimos superar. Além da desmoralização pública para receber o Fundo de Garantia, tive que me aposentar precocemente, em condições desfavoráveis, pela proporcional”, detalhou.

Na época, em entrevista ao informativo do Senge-VR, o economista foi incisivo ao ser questionado sobre o motivo da demissão do grupo por justa causa. “Como fechar uma empresa lucrativa e que gerava cerca de três mil empregos, sem reação da sociedade? Muito simples, através da desmoralização de sua administração. Foi então que nós, bodes expiatórios, entramos em cena. A FEM foi desmembrada, vendida e depois extinta exatamente como planejado”, explicou. 

Contratado por 17 anos pela FEM, o engenheiro civil Walter Kalawatis, colecionou prêmios – foi ele, por exemplo, o primeiro funcionário a completar 10 anos de trabalho na FEM. Cinco anos depois, recebeu uma nova homenagem. Esse histórico, porém, não foi suficiente para ser tratado com o respeito necessário dos empregadores.

“Fiquei indignado. Nenhum patrão trata um empregado sem direito de resposta”, disse Kalawatis. “Fomos retirados da empresa no mesmo dia. Vários guardas foram juntos para verificar se a gente não estava tirando documentos da empresa, foi muito constrangedor”, lembrou. 

Enfrentando a demissão e a arrastada disputa na justiça, o engenheiro teve que lidar com outra adversidade, a Alopeci, doença considerada autoimune, caracterizada pela perda de cabelo ou de pelos. De acordo com os especialistas, a causa está diretamente relacionada à alta carga de estresse.

Outro a comentar a decisão da FEM foi o engenheiro civil Sebastião Souza Moreira, chefe de Divisão e responsável pela obra dos regeneradores do AF-3 da CSN. Ele ressaltou ao Senge-VR o tamanho do impacto que sofreu na época.

“Foi uma reviravolta na minha vida. Precisei ir trabalhar em Manaus, deixando minha família em Volta Redonda. Um demitido por justa causa da FEM/CSN, não consegue trabalho na região com facilidade”, lembrou.

Sebastião lembra o que foi falado por um dos auditores em uma audiência na 1ª Vara

do Trabalho em Volta Redonda. Segundo ele, o auditor utilizou as seguintes palavras: “Verifiquei desvios de pagamentos de prêmios a funcionários da FEM e CSN após a reforma do incêndio da unidade do LTF-3 da CSN, porém não vi nenhum motivo para dispensar estes engenheiros”.

Indagado sobre o real motivo pelo qual ele e os outros oito foram demitidos por justa causa, o antigo chefe de Divisão comentou: “Com o passar dos meses entendi que a CSN queria fechar a FEM, que na época estava passando por dificuldades financeiras e o mercado de estruturas metálicas estava parado, apenas a nossa área de obras na CSN que estava bem. Então um escândalo de desvios de conduta seria ideal para a opinião pública aceitar o fechamento da empresa”.

Senge-VR

O Sindicato dos Engenheiros de Volta Redonda (Senge-VR) participou da ação judicial prestando assistência jurídica aos associados, que ingressaram com o processo de maneira individual. O apoio foi prestado pelo escritório do advogado Murilo Baptista, contratado pela entidade.

“Garantimos a anulação da justa causa, com o recebimento de todas as parcelas rescisórias, por dispensa imotivada, além de indenização por danos morais”, disse Murilo. 

Para o presidente do Senge, Fernando Jogaib, as decisões favoráveis são uma reparação por tudo que esses trabalhadores enfrentaram. “Foi um período muito difícil para esses trabalhadores, que enfrentaram diversas dificuldades, foram apontados na rua e tiveram seus nomes ligados a essas irregularidades. Em função dessa injustiça cometida, a reparação veio e eles ganharam em todas as instâncias a que tinham direito. Seria justo que também recebessem uma declaração pública da empresa, mas sabemos que é esperar demais da CSN”, concluiu Jogaib. 

Cabe dizer que Carlos Alberto, Aurélio Veiga e Walter Kalawatis já faleceram e não tiveram a oportunidade de, em vida, presenciarem o desfecho da disputa.

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