O estado americano da Califórnia enfrenta uma das piores temporadas de incêndios de sua história. Em meio à destruição, jovens que deixaram as cidades de Barra Mansa e Volta Redonda para recomeçar suas vidas na terra do sol e da inovação também enfrentam a angústia e os horrores dos desastres naturais. Raphaela Celli, 31, e Beatriz Camargo, 28, compartilham as dificuldades e desafios de viver em um estado marcado pela fumaça densa e pelos ventos violentos que alimentam as chamas.

“O céu ficou escuro, a gente não conseguia respirar”

Raphaela, que deixou a Cidade do Aço há oito anos para viver em Santa Mônica, cidade costeira no condado de Los Angeles, tem visto de perto a destruição causada pelos incêndios que assolam a Califórnia.

“Na semana passada, foi assustador. Meu apartamento fica perto da praia e, da varanda, pude ver a queimada em Palisades, uma área totalmente destruída. O céu, que estava claro pela manhã, ficou completamente escuro antes do meio-dia. A gente não conseguia respirar; fui obrigada a trancar toda a casa. Quando olho agora pela minha varanda, o mesmo lugar que via antes (uma montanha cheia de casas), hoje não vejo mais. É assustador”, relata Raphaela, em entrevista exclusiva à Folha do Aço.

A preocupação constante é com a velocidade com que as chamas se espalham, alimentadas pela vegetação seca, agravada pelos ventos fortes que atingem a região. “Em LA [Los Angeles], estamos acostumados com terremotos e incêndios, mas essa combinação de ventos fortes e fogo foi diferente. Eu nunca vivi algo assim antes”, acrescenta.

Para Raphaela, que trabalha de casa como gerente de projetos da multinacional Unilever (EUA), o impacto não foi só material, mas também psicológico. “No meio da noite, fui acordada por um alerta falso. Comecei a fazer malas e colocar tudo no carro. Depois veio outro alerta dizendo que era um erro. Foi horrível”, relata.

Embora sua casa não tenha sido atingida diretamente, a executiva viu o impacto de perto. “Muitos colegas de trabalho perderam suas casas. Me voluntariei em uma ação para arrecadar alimentos, roupas, materiais de limpeza e brinquedos. Ouvi histórias e vi famílias que perderam tudo. Havia crianças desesperadas, e eu tentava ajudar, escolhendo um livrinho ou um brinquedo para elas de acordo com a idade. A dor delas ficou gravada em minha memória.”

“É muito estressante ouvir ambulâncias e helicópteros o tempo inteiro”

Se Raphaela viveu o pesadelo das chamas próximas, Beatriz, que mora em Mar Vista, um bairro no Westside de Los Angeles, também lida com o impacto psicológico dos incêndios, mesmo sem estar em área de risco imediato.

“Está sendo devastador. Mesmo não estando em uma área diretamente afetada, ouvimos sirenes o tempo todo. O barulho das ambulâncias e helicópteros me causa muito estresse”, explica Beatriz, que deixou Barra Mansa há seis anos para estudar Business na Califórnia.

A jovem também se preocupa com amigos e conhecidos que perderam tudo. “Tenho pessoas muito queridas que perderam suas casas. Isso é muito triste, e parece que não há como parar a destruição”, desabafa. O pavor não se limita à proximidade das chamas. “Apesar de estar distante, não podemos relaxar. A previsão é de ventos fortes novamente, e o maior incêndio ainda não foi totalmente controlado. Estamos orando para que isso acabe logo.”

Futuro incerto

Além de todo o trauma, Raphaela também se vê diante de um dilema: continuar em Santa Mônica, uma cidade deslumbrante, mas com o custo de vida elevado e os riscos naturais cada vez mais evidentes.

“Vou me casar neste ano. Eu e meu noivo estamos prestes a comprar uma casa, mas muitas áreas ao redor da minha cidade estão sendo identificadas como de alto risco. Não sei o que vai acontecer com o mercado imobiliário”, diz, refletindo sobre a incerteza do futuro.

“Com terremotos eu consigo lidar, mas nesse nível de desastre natural, não sei se consigo me ver aqui no futuro. É uma cidade linda, cheia de oportunidades, com gente do mundo inteiro e o pôr do sol mais bonito que já vi na vida. Mas confesso que tudo isso está me fazendo repensar se é seguro ficar nesse lugar.”

Ainda de acordo com Raphaela, as áreas evacuadas estão sendo bloqueadas pelos militares. “Ou seja, além de tudo, você se sente em uma zona de guerra, com tanques, militares com fuzis e helicópteros passando sobre nossas cabeças o tempo todo.”

Impacto além da destruição material

Os incêndios na Califórnia já causaram a morte de 25 pessoas e devastaram milhares de acres de vegetação. As autoridades emitiram ordens de evacuação para diversas áreas, enquanto bombeiros e equipes de resgate continuam trabalhando incansavelmente para conter as chamas. Mais de 7 mil residências em Los Angeles estão sem luz neste momento.

Além dos danos materiais, a qualidade do ar tornou-se uma preocupação crescente, já que o fumo espesso prejudica a saúde pública e força os moradores a se protegerem em ambientes fechados. A situação também afeta a economia local, com infraestruturas essenciais, como linhas de energia e rodovias, comprometidas.

Apesar da ajuda humanitária e de ações de voluntariado, como as de Raphaela, a realidade de quem perdeu tudo é cruel. “A pior parte é não saber como reconstruir a vida depois disso”, afirma Beatriz. De acordo com uma estimativa preliminar, os prejuízos causados pelos incêndios na costa oeste americana oscilam entre US$ 52 e US$ 57 bilhões (R$ 317 a R$ 347 bilhões).

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