
A violência contra mulheres segue como uma das expressões mais persistentes da desigualdade de gênero no estado do Rio de Janeiro e, em 2024, atingiu um marco preocupante na Região Médio Paraíba. Dados oficiais revelam que 8.412 mulheres foram vítimas de algum tipo de violência nos 12 municípios que compõem a região, o equivalente a 5,5% de todas as ocorrências registradas no estado. Trata-se do maior número da última década no recorte regional.
Os dados constam na 20ª edição do Dossiê Mulher, publicação divulgada neste mês pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), órgão vinculado à Secretaria de Estado de Segurança Pública. O levantamento consolida registros de ocorrência feitos pelas polícias Civil e Militar e é considerado uma das principais ferramentas de diagnóstico e formulação de políticas públicas voltadas ao enfrentamento da violência de gênero no Rio de Janeiro.
Ao todo, em 2024, 154.192 meninas e mulheres foram vítimas de violência no estado. Em 64,3% dos casos, o agressor fazia parte do círculo de convivência da vítima (companheiros, ex-companheiros, familiares, amigos ou vizinhos), evidenciando que a violência segue concentrada no ambiente doméstico e familiar.
Problema estrutural
A Região Médio Paraíba é formada por Barra Mansa, Barra do Piraí, Itatiaia, Pinheiral, Piraí, Porto Real, Quatis, Resende, Rio Claro, Rio das Flores, Valença e Volta Redonda. Juntas, essas cidades concentram uma estimativa de 479.910 mulheres residentes, segundo o ISP.
Apesar das diferenças populacionais e econômicas entre os municípios, os números revelam um problema comum: a violência contra a mulher atravessa todo o território regional. Especialistas apontam que fatores como subnotificação, dificuldade de acesso a serviços especializados, desigualdade territorial e dependência econômica das vítimas seguem como entraves ao enfrentamento efetivo do problema.
O crescimento dos registros em 2024 pode refletir, em parte, maior conscientização e estímulo à denúncia. Ainda assim, o volume absoluto de casos evidencia a persistência de um fenômeno estrutural, que se mantém ao longo de gerações.
Volta Redonda concentra os maiores números
Dentro do recorte regional, Volta Redonda concentra os maiores números absolutos em todas as formas de violência tipificadas pela Lei Maria da Penha. Em 2024, o município registrou 625 casos de violência física, superando, isoladamente, Barra Mansa (337) e Resende (256), segunda e terceira cidades mais populosas da região. Juntas, as duas somaram 593 casos, ainda abaixo do total de Volta Redonda.
O mesmo padrão se repete na violência psicológica, que aparece como a forma mais recorrente no Médio Paraíba. Volta Redonda contabilizou 968 registros, número superior à soma de Barra Mansa (524) e Resende (397), que juntas chegaram a 921 ocorrências.
Na violência moral, Volta Redonda registrou 722 casos, novamente acima do volume combinado de Barra Mansa (277) e Resende (276). Já na violência patrimonial, foram 154 registros, mais que o dobro do segundo colocado, Valença, com 72 ocorrências.
Em relação à violência sexual, o município comandado pelo prefeito Neto (PP) também lidera, com 156 casos em 2024.
Panorama regional: números que se repetem
No conjunto da Região Médio Paraíba, os registros de 2024 apontam:
2.147 casos de violência física
3.275 registros de violência psicológica
2.086 ocorrências de violência moral
390 casos de violência patrimonial
416 registros de violência sexual
Ao todo, 457 ocorrências de violência sexual foram contabilizadas na região, incluindo 159 mulheres vítimas de estupro. Especialistas alertam que se trata de um dos tipos de violência com maior índice de subnotificação, especialmente em municípios de menor porte.
Cidades como Barra Mansa, Resende e Volta Redonda aparecem de forma recorrente entre os municípios com maior volume absoluto de registros, enquanto localidades menores, como Quatis, Rio das Flores e Pinheiral, enfrentam desafios adicionais. Nesses municípios, o receio de denunciar, motivado pela proximidade entre vítimas e agressores e pela fragilidade das estruturas institucionais, dificulta a real dimensão do problema.
Violência que se repete dentro de casa
O Dossiê Mulher reforça que o padrão observado no Médio Paraíba reproduz a tendência estadual: a violência contra a mulher é, majoritariamente, doméstica e praticada por pessoas próximas. A publicação chama atenção para o que classifica como “enraizamento interestrutural da violência”, atravessado por marcadores como raça, classe social, território e faixa etária.
Esses fatores influenciam tanto o risco de vitimização quanto o acesso das mulheres aos mecanismos de proteção, acolhimento e justiça.
Medidas protetivas e atuação do Estado
No Médio Paraíba, o Dossiê aponta que, em 2024, houve 283 registros de descumprimento de medidas protetivas na região, um dado que expõe as limitações do sistema de proteção e a persistência do risco mesmo após decisões judiciais.
Em todo o estado, a Patrulha Maria da Penha acolheu, em média, duas mulheres por hora nos últimos seis anos. Entre 2019 e 2024, foram 302 mil atendimentos realizados, 94 mil mulheres assistidas e 760 prisões efetuadas. Fiscalização de medidas protetivas, lesão corporal, ameaça, descumprimento de decisão judicial e captura de foragidos estão entre os principais motivos de acionamento das viaturas.
Mais do que estatísticas
Com 294 páginas, o Dossiê Mulher vai além da simples apresentação de números. A publicação ressalta que cada registro representa uma trajetória marcada por dor, resistência e, muitas vezes, silêncio. “Mais do que estatística, cada registro de ocorrência lavrado carrega uma história de luta”, destaca o documento.
A edição de 2025 tem significado simbólico adicional: marca os 26 anos do Instituto de Segurança Pública e 20 anos de produção ininterrupta do Dossiê Mulher, consolidado como política de Estado.










































