Moradores da comunidade de Santa Quitéria, em Congonhas-MG, estão dispostos a anular os efeitos do Decreto com numeração especial (DNE) 496, assinado pelo governador Romeu Zema (NOVO) em julho de 2024. A norma prevê a desapropriação de mais de 260 hectares no distrito, divididos em dez áreas. O plano é que essas áreas sejam utilizadas para a implantação da pilha de rejeito filtrado Sul Maranhão 1, da Mina Casa de Pedra, permitindo a expansão das atividades de mineração da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). 

A mobilização foi definida em audiência pública realizada pela Comissão de Assuntos Municipais e Regionalização da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) no dia 10 de outubro, na localidade. A quadra esportiva do distrito foi tomada por residentes indignados com os danos que a atividade minerária já provoca, com o medo presente no dia a dia e com a pressão da mineradora para desapropriar pequenos produtores. 

Os moradores decidiram formar um comitê, sob orientação do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), para acompanhar as negociações que estão sendo feitas individualmente pela mineradora. Muitos residentes reclamaram da prática utilizada por outras empresas para desmobilizar a população, desvalorizar os preços dos imóveis e acelerar a tomada das áreas. Para contrabalançar essa estratégia, os participantes da audiência pública foram unânimes em defender a união de todos na condução dos interesses coletivos. 

O deputado Leleco Pimentel (PT), autor do requerimento para a audiência pública, afirmou que a CSN tem pressionado os moradores a venderem suas propriedades e ameaçado com processos aqueles que criticam a atividade. “Não vamos calar a comunidade”, garantiu o deputado, convocando as pessoas a se unirem para impedir o processo de expansão. “Essa audiência é pela continuidade da existência de Santa Quitéria”, completou a deputada Beatriz Cerqueira (PT). 

Leleco Pimentel e Beatriz Cerqueira entregaram à promotora da cidade, Clarisse Perez Mendes, um pedido de representação contra o decreto. A deputada também informou ter apresentado o Projeto de Resolução (PRE) 48/24, que pretende sustar os efeitos do decreto, e a proposição aguarda análise da Comissão de Constituição e Justiça da ALMG. O prefeito eleito, Anderson Cabido (PSB), se comprometeu a apoiar o movimento de resistência e oferecer todo o apoio técnico e jurídico aos moradores. 

Mineradora quer expandir ainda mais suas atividades na região

A expansão da mineradora da CSN pode ser ainda maior. A chefe da Divisão de Fiscalização de Lavras da Agência Nacional de Mineração (ANM), Luciana Cabral Danese, explicou que foi aprovado um plano de expansão da Mina Casa de Pedra em mais de mil hectares, incluindo áreas de lavra e de proteção. 

Outro pedido está sendo analisado pela empresa, mas a técnica não soube fornecer mais detalhes. A promotora Clarisse Mendes solicitou mais informações à técnica. “Todo esse impacto não afeta apenas o meio ambiente, mas também a saúde e a vida das pessoas, inclusive a saúde mental”, advertiu. 

Danos da mineração

Congonhas é cercada por áreas de mineração. De acordo com o presidente do Sindicato Metabase Inconfidentes, Rafael Ribeiro de Ávila, o Duda, a atividade gera cerca de R$ 20 bilhões para as empresas, mas menos de R$ 1 bilhão permanece na cidade. “A riqueza não fica para nós, só os problemas”. 

A atividade provoca múltiplos transtornos para a população, como danos à saúde, ao meio ambiente, riscos ao patrimônio histórico e cultural e até aumento da violência, especialmente contra as mulheres, com o crescimento da população flutuante. O município tem convivido com uma nuvem de poeira levantada pelos rejeitos, que causa problemas respiratórios na seca e contamina a água durante as chuvas devido às partículas tóxicas que caem. 

A representante do Conselho Estadual de Saúde, Lourdes Machado, afirmou que a poluição provocada pela mineração e a presença de metais pesados na água ampliam os problemas renais, infecções sanguíneas, câncer de pulmão, silicose e afetam a saúde mental das pessoas. “A população respira ar contaminado, não tem segurança com a água que bebe e vive com medo da barragem explodir”, afirmou Lourdes. Em sua opinião, ao permitir a expansão, o Governo do Estado está invertendo a lógica de proteção à saúde. 

A deputada Beatriz Cerqueira concordou que, ao proteger as mineradoras e não a população, o Estado acaba gastando muito mais no combate aos males provocados pela atividade. Os dois parlamentares presentes à audiência criticaram a imposição do governador em relação à decisão de desapropriação sem ouvir a comunidade nem consultar a ALMG. “Não justifica a falta de respeito do poder Executivo”, afirmou Leleco Pimentel. 

Problemas em comunidades vizinhas

Sandoval de Souza Pinto Filho, da União das Associações Comunitárias de Congonhas (Unacom), lembrou de problemas que já atingiram outras comunidades no município, como Pires, que ficou sem água em 2010; Lobo Leite, que estaria desaparecendo para dar lugar a barragens de rejeitos; e Lagoa Comprida, que possui um chacreamento sob uma pilha de lixo tóxico, a 140 metros de distância. “Estamos escaldados. Tudo isso vem acontecendo e sendo naturalizado”, lamentou. 

Rebeca Oliveira Santana foi uma das vítimas da expansão da mineração na praticamente extinta comunidade de Plataforma. Segundo ela, mais de 100 famílias foram forçadas a vender suas propriedades para a CSN e, hoje, apenas três continuam resistindo no local. Ela contou que, na época, a opção era aceitar uma casa em outro local ou o valor da indenização. Não houve apoio jurídico nem psicológico de nenhum órgão público. “Foram anos de sofrimento. Não quero isso para Santa Quitéria”, disse. 

Por outro lado, o Padre Claret Fernandes, do MAB, rememorou que, em 2012, a mobilização da população de Congonhas impediu desapropriações para a mineração decretadas pelo então governador Aécio Neves. “A força do povo é capaz de mudar qualquer situação”, acredita o religioso.

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