O Brasil tem vivenciado uma verdadeira explosão no mercado de apostas esportivas, com o setor movimentando entre R$ 60 e R$ 100 bilhões em 2023, quase 1% do PIB nacional. Isso consolidou o país como o terceiro maior mercado mundial de apostas. No entanto, junto ao crescimento econômico do setor, surgem histórias de perdas financeiras devastadoras, especialmente no Sul Fluminense.
Em Volta Redonda, A.C., 39 anos, perdeu grande parte de suas economias em um jogo que parecia inofensivo. “Era um jogo colorido e animado, algo para passar o tempo. Comecei apostando pequenas quantias, mas, aos poucos, fui me deixando levar. Quando percebi, estava com uma dívida enorme e sem saber como sair disso”, lamenta a comerciante, que prefere não revelar seu nome.
Ela relata que, devido à facilidade de acesso pelo celular, o jogo se tornou parte rotineira de sua vida, afetando suas relações familiares. “Cheguei a esconder da minha família o quanto estava perdendo. Fingia que estava tomando banho, quando, na verdade, estava jogando. A vergonha e o medo de ser julgada eram maiores que a vontade de parar.”
Na cidade de Barra Mansa, a esteticista M.R., 32 anos, compartilha uma história semelhante. “Tudo começou como uma diversão nas horas vagas. Mas, com o tempo, eu só pensava em recuperar o que já havia perdido. Perdi o controle e, além das dívidas, desenvolvi crises de ansiedade e depressão. Não consigo mais dormir direito”, desabafa. M.R. destaca como a publicidade massiva das plataformas de apostas dificulta o afastamento dos jogadores. “Eles investem pesado em propaganda, fazendo parecer que todo mundo está ganhando, mas é só ilusão.”
Os impactos dos jogos vão além das finanças. A psicóloga Cláudia Costa, que atende casos relacionados a apostas online, alerta para os riscos psicológicos. “Esses jogos são planejados para viciar, com mecanismos que estimulam o jogador a continuar apostando, mesmo em prejuízo. Isso leva muitos à dependência, gerando ansiedade, depressão e até pensamentos suicidas.”
As consequências financeiras são alarmantes. Nos últimos seis meses, cerca de 25 milhões de brasileiros fizeram apostas, e 86% deles estão endividados. Entre as camadas de baixa renda, a situação é ainda mais preocupante: 20% apostam pelo menos uma vez ao mês, comprometendo em média 20% do salário mínimo.
Para tentar conter os danos, o governo estabeleceu novas regras. A portaria SPA/MF 615, publicada em abril de 2024, determina que as apostas online só podem ser pagas por meio de transferências eletrônicas, como Pix ou TED, e proíbe o uso de cartão de crédito. Essa medida visa reduzir o endividamento de jogadores que recorriam ao crédito fácil. Além disso, a legislação exige que as empresas paguem à União R$ 30 milhões para operar no Brasil durante cinco anos.
Apesar das novas medidas, o problema persiste. “Essas plataformas estão cada vez mais acessíveis, e as pessoas não têm noção de quão rápido podem perder tudo”, alerta o advogado A.L., 45 anos, que viu o irmão perder o emprego e a moto após acumular dívidas com jogos online. “Ele chegou a vender o veículo da família para tentar recuperar o dinheiro. É uma bola de neve que parece não ter fim.”
Com a liberação das apostas, especialistas recomendam cautela e planejamento. Cláudia Costa enfatiza: “O valor destinado aos jogos deve ser limitado e tratado como parte do orçamento de lazer, sem comprometer contas essenciais. Além disso, nunca recorra a empréstimos para apostar.” Ela também alerta sobre fraudes: “Muitas plataformas prometem lucros exorbitantes, mas, se parece bom demais para ser verdade, é melhor desconfiar. Não existe ‘almoço grátis’.”
Governo federal ameaça proibir serviços de apostas
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou na quinta-feira (dia 17)), que o governo pode considerar a proibição das empresas de apostas esportivas no Brasil se a regulamentação não apresentar os resultados esperados. Em declaração à rádio Metrópole, de Salvador-BA, Lula destacou: “Vamos ver se a regulação dá conta. Se não der conta, eu acabo. Ficar bem claro. Você não tem controle do povo mais humilde, de criança com celular na mão fazendo aposta. Nós não queremos isso.”
Desde o ano passado, o governo tem trabalhado em uma regulamentação para definir os parâmetros de operação desses sites de apostas, que estão em franca expansão no país.
Nota da Folha do Aço
A expansão do mercado de apostas online no Brasil pode estar impulsionando a economia de um setor, mas o preço a ser pago por famílias como as de A.C., M.R. e A.L. é alto demais. Perdas financeiras, depressão e crise familiar são apenas alguns dos efeitos colaterais desse fenômeno crescente.