Dois dias após o Palácio 17 de Julho publicar edital de licitação no valor estimado em R$ 1,5 milhão para a compra de gêneros alimentícios destinados ao tradicional Arraiá da Cidadania, o prefeito Neto (PP) admitiu publicamente que a situação financeira do município está longe de ser confortável.
Em entrevista concedida na manhã de quinta-feira (dia 12), o chefe do Executivo municipal revelou números preocupantes sobre as receitas que compõem o orçamento local.
“Eu não escondo de ninguém que a situação do município hoje não está muito boa”, afirmou Neto, que detalhou a queda significativa na arrecadação de tributos essenciais. “O ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços], que é a maior receita nossa, nós recebemos, todos os meses, R$ 24 milhões, R$ 23 milhões, este mês eu recebi R$ 16 milhões. O ISS [Imposto Sobre Serviços] nosso alcançava a casa dos R$ 20 milhões, R$ 21 milhões, este mês eu recebi R$ 16 milhões”.
“Mesmo com todas as dificuldades financeiras, nós vamos nos virar. Aliás, estamos nos virando”, acrescentou o prefeito, destacando que a Prefeitura está em processo de cobrança ativa das dívidas municipais – entre elas, a da Unimed-VR, mencionada por ele próprio – e assegurando o compromisso de manter os salários dos servidores em dia.
Pão e circo
No entanto, a fala do prefeito destoou do recente edital publicado pela administração, que prevê a aquisição de mais de 130 mil unidades de alimentos e bebidas para abastecer o Arraiá da Cidadania – festa solidária que será realizada de 10 a 13 de julho, na Praça Brasil, na Vila Santa Cecília. Entre os itens previstos estão sete mil fardos de água sem gás, 15.260 unidades de leite condensado integral, 94 mil pães franceses e 120 mil refrigerantes caçulinha.
Criado em 2010, o Arraiá da Cidadania é um evento tradicional da cidade, com comidas típicas vendidas a preços populares (R$ 1,99), cuja renda é destinada a entidades beneficentes locais. No ano passado, a festa não foi realizada por recomendação da Justiça Eleitoral. Este ano, o prefeito confirmou a retomada da celebração, prometendo um evento “melhor do que nunca”.
Especialistas em finanças públicas, porém, apontam a contradição entre o discurso do prefeito sobre crise fiscal e o gasto expressivo para uma festa popular, questionando a prioridade dada à administração municipal frente ao cenário econômico adverso.
“O que a população precisa agora é de responsabilidade fiscal e transparência, não de gastos milionários em eventos enquanto serviços essenciais sofrem cortes”, afirmou o eletricista Pedro Antônio, morador da cidade. “Essa licitação mostra que o prefeito está distante da realidade das contas públicas”.
Para o professor universitário Rafael Lima, “a queda nas receitas é real e preocupante, mas isso exige uma reavaliação rigorosa das prioridades orçamentárias. Gastar R$ 1,5 milhão em alimentos para uma festa, mesmo que solidária, em um momento de crise, pode ser encarado como falta de critério”.
Atrações
O Arraiá da Cidadania, além de oferecer pratos típicos como pizza frita, cachorro-quente, salsichão, canjiquinha e feijão amigo, deve contar com atrações culturais, cujos detalhes serão divulgados pela prefeitura em breve.
A administração municipal, por sua vez, argumenta que o evento tem caráter social e representa uma importante fonte de arrecadação para as entidades assistenciais do município. Apesar das dificuldades financeiras, a gestão aposta no evento como ferramenta de mobilização solidária, ao mesmo tempo em que tenta equilibrar as contas públicas sob pressão.