Em meio aos desafios que afetam a saúde mental dos adolescentes, a automutilação emergiu como uma preocupante realidade. Esse fenômeno, caracterizado por comportamentos de autolesão intencional, tem despertado a atenção de pais, educadores e profissionais de saúde em todo o mundo. De acordo com a Cartilha para prevenção da automutilacao e do suicídio, uma iniciativa do Governo Federal, em um estudo realizado no ano de 2018, com 517 jovens entre 10 e 14 anos, 9,48% apresentaram esse comportamento.

Com o intuito de entender quais aspectos emocionais e afetivos estão relacionados a essa prática, foi elaborado o projeto “Estudo sobre a estruturação do ego e da personalidade de adolescentes que se automutilam”, coordenado pelo professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutor em Psicologia Clínica, Antônio Augusto Pinto Junior.

Financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), a pesquisa é realizada no Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Infância e Adolescência (Lepia) do Departamento de Psicologia do campus da UFF em Volta Redonda. Antônio Augusto, que desenvolve estudos sobre violência doméstica, contra a criança e saúde mental na infância e adolescência, explica a origem do projeto.

“Fomos procurados pelos educadores das escolas municipais de Volta Redonda, com a queixa de que seus alunos estavam praticando cutting, autolesão. Visando compreender esse fenômeno, que vem atingindo muitos adolescentes e até pré-adolescentes no município de Volta Redonda, escrevemos esse projeto”, afirma o docente.

Testes psicológicos

Além de entrevistas clínicas, a pesquisa contou com testes psicológicos ou técnicas projetivas. Esses levantamentos visaram identificar características de personalidade dos adolescentes, ajudando no entendimento do perfil do jovem que usa a autolesão para lidar com o sofrimento.

Dos 80 pré-adolescentes e adolescentes entre 10 e 16 anos que foram encaminhados pelas escolas municipais da Cidade do Aço, 61 contemplaram todos os procedimentos e compuseram a amostra. Com os resultados dos testes, foi possível observar que 80% dos participantes são do sexo feminino.

“A literatura reporta que o sexo feminino, as meninas adolescentes, tendem a manifestar mais o que chamamos de comportamentos internalizantes, voltados para si mesmo, predominantemente com características depressivas. Os meninos, ao contrário, tendem mais a apresentar comportamentos externalizantes como resposta a uma forma de sofrimento, como condutas antissociais, destrutivas e agressividade”, salienta o professor Antônio Augusto.

Outro resultado da pesquisa refere-se aos instrumentos utilizados na prática, sendo 88,5% deles objetos cortantes, como gilete, apontador e estilete. No que diz respeito às partes do corpo escolhidas, há a prevalência de braços, mãos ou pulsos em 94,1% dos casos.

O coordenador da pesquisa reforça que tais dados podem funcionar como sinal de alerta para quem está perto desses jovens, pois muitos tendem a querer esconder as marcas da automutilação usando roupas de manga comprida, mesmo em dias quentes de verão.

Motivação

Quando se trata da motivação por trás do comportamento que leva à prática da autolesão, 83% dos casos parecem ocorrer em razão de conflitos familiares não resolvidos, como violência conjugal e violência de vitimização. Entre as modalidades de vitimização estão o abuso físico e sexual, a violência psicológica e também a negligência dos responsáveis.

A pesquisa apurou que essa negligência está diretamente relacionada ao percentual de jovens que não foi encaminhado a nenhum serviço de cuidado da saúde mental, que passa dos 50%.

“Na maioria dos casos, quem diagnosticou ou identificou a prática da autolesão foi o professor. Então, isso nos aponta para uma demanda de capacitação, de treinamento, de formação desses professores, entendendo a escola como porta de entrada para a identificação precoce de várias modalidades de sofrimento psíquico na infância e na adolescência”, destaca Antônio Augusto.

Foto: reprodução da internet

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